Família, sempre de novo a família

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Frei Almir Guimarães

 

Dou graças a Deus porque muitas famílias, que estão longe de se considerarem perfeitas, vivem no amor, continuam caminhando, embora caiam muitas vezes ao longo do caminho.
Papa  Francisco

♦ Era uma senhora, já de muita idade. Estava pensativa, olhando a vida pela janela, naquela tarde de sexta-feira. Estava às vésperas de suas bodas de ouro. De repente, ela fechou os olhos, agradeceu a Deus o dom da vida, o companheiro de tantos anos, os filhos, os netos, a força que nela habitou em todas essas cinco décadas. E pediu ao Senhor que, naquele momento, olhasse para todos, não esquecesse de ninguém. Depois abriu o armário deu uma olhadela no vestido das bodas a esperar por ela e ficou todinha feliz. Uma lágrima morna rolou rosto abaixo. Uma cena familiar. Simplesmente.

♦ Entre o Natal e o Ano novo somos convidados a refletir sobre o tema da família. João Paulo II dizia que o amanhã da humanidade passa pela família. Não olhamos com olhos “sentimentaloides” para esta realidade tão fundamental. Nem tudo é cor-de-rosa. Por vez pode parecer uma “camisa de força”. Conhecemos seus dramas. Dificilmente, no entanto, o ser humano será humano se não for envolvido por sua família, por uma família. Comunidade de vida e de amor, espaço de humanização, lugar de dom, de serviço, plataforma onde as pessoas se preparam para a vida e primeiro lugar de anúncio da fé difundido por um clima evangélico que se vive em casa. Por favor, família aberta!

♦ Ficamos penalizados com tantos casamentos que perduram sem viço, outros que duram pouco, cenas de violências, pessoas que casam e descasam, casam e descasam, casam e descasam, feminicídios, pais que matam os filhos, filhos que matam os pais, casas sem o mínimo de conforto, palacetes sem alma, casas sem calor, meros hotéis para comer e dormir. Basta de enumeração. Sonhamos com uma pastoral familiar que não aconteça tão enfeitada de laçarotes, mas acompanhe vida, prepare histórias, fortifique gente e forje cristãos no meio do mundo.

♦ A família é lugar humano por excelência, o berço do homem, espaço onde o amor conjugal cresce, onde se exercem responsabilidades e serviços entre pais e filhos. Experiência humana sem comparação porque enraizada nos laços humanos.

♦ A família é o lugar onde o ser humano é colocado no mundo, recebido (nem sempre bem recebido), cuidado, respeitado, amparado, protegido em sua fragilidade. Normalmente, no seio de uma família, família de verdade, são vividos os valores próprios da pessoa: reconhecimento, gratuidade, dom, comunhão, respeito. Lugar de crescimento humano e espiritual. No seio desse espaço costuma-se escutar pela primeira vez os convites do Ressuscitado para seu seguimento. Ali se aprende que se tem um Pai no céu ou dentro de nós que é Pai nosso. Ali muitos descobrem o carinho de Maria e passam a dizer todos os dias: “Ó minha mãe, eu me consagro todo a vós…”

♦ Ali as crianças e os jovens têm suas asas fortalecidas. Aos poucos, eles precisarão aprender a voar. Aprenderão a arte de viver no seio de uma família, não fechada, não isolada do mundo. Ali todos têm consciência de que recebem a herança do passado, da terra dos avós, as festas alemães, japonesas ou italianas. As massas de Nápoles e as pizzas da Toscana, os cantos da Baviera e danças de Espanha. Não nascemos tábula rasa. O passado tem que vir à tona. Ele faz parte de nosso DNA. Somos resultado de um encadeado de vidas de histórias, de gente que viveu a guerra de homens agricultores no norte de Portugal e de mulheres da Ilha da Madeira. Padres alemães e italianos vieram até nós e partilharam suas vidas. Ajudaram a fortalecer o sangue de nossas veias e os sonhos de nossa mente.

♦ O Papa Francisco, na “Amoris laetitia”, fala da família alargada, ampliada. Ela deveria acolher as mães solteiras, as crianças sem pais, as mulheres abandonadas que devem continuar a educação de seus filhos, pessoas deficientes, pessoas separadas, e tantas outras situações delicadas, dependentes químicos. Uma família alargada que cuida dos velhos, dos avós, dos tios que ficaram solteiros.


Textos para refletir

Temos que aprender a ser suporte, temos que querer eficiência técnica, mas também compaixão, temos que reconhecer o valor de um sorriso, ainda que imperfeito em certas horas extremas. À beira do fim há tanta coisa que começa. Uma das lembranças que me são mais queridas provém, por exemplo, do último internamento de meu pai. Recordo-me de, por dias e dias, andar de mãos dadas com ele, muito devagarinho, no grande corredor do hospital. Eu passava-lhe toda força que podia com minha mão era maior do que a minha. E sei que ainda é.

José Tolentino  Mendonça


Amor bom, além do mais, tem que suportar e superar a convivência diária. A conta a pagar, a empregada que não veio, o filho doente, a filha complicada, a mãe com Alzheimer, o pai deprimido, ou o emprego sem graça e o patrão grosseiro.  Quando cai aquela última gota, a gente explode: quer matar ou morrer… Amor bom, além do mais, tem que suportar e superar a convivência diária…

Lya Luft, Perdas e Ganhos, p. 78


Um pedido

Para que nos perdoes mais plenamente
dá-nos, Deus de misericórdia,
um coração indulgente para com os outros.
Por Cristo, Senhor nosso. Amém.

Fonte: Franciscanos

 


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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