Faltam-me palavras! Ainda que nos dicionários elas se derramem em significados, faltam-me palavras para descrever o que foi a Festa de Nossa Senhora da Saúde. As palavras capazes de fazerem pular das linhas os olhares, os sorrisos, a alegria, os sons, os cheiros… a fé e, até mesmo, o cansaço.
“Seis horas” da manhã
Não. Eu não “comecei” às 6h, mas houve quem estivesse lá – porque acertar cada detalhe para uma festa deste porte exige muitas mãos. E mãos dadas. Desde a preparação do “cafezinho” para os grupos de marujada e congada, até o fixar do crucifixo no ponto mais alto de onde seria celebrada a Santa Missa. A festa é para Nossa Senhora da Saúde, mas todo católico sabe que o Rei é Jesus – tudo para Ele, por Ele e para a glória do Pai.
Seria injusto nomear tantas mãos, porque até quem não pôde participar, orou de casa para tudo dar certo. E oração é serviço.
Do lado de fora da Igreja Matriz – a primeira missa do domingo foi campal -, umas tantas mãos cuidavam dos detalhes que quase ninguém percebe, a menos que não estejam lá. Arranjos de flores, cobertura para o tablado, metros e mais metros de tecido para “esconder” a estrutura de metal e madeira. Mais um tanto de toalhas para a mesa do altar, para a mesa da Palavra e para o suporte que receberia a imagem de Nossa Senhora da Saúde.
_“Corre lá dentro e passa a toalha. Mas cuidado com o ferro, ele esquenta demais. Pede ‘pras meninas ajudarem’”.
_ “Os marujos já tomaram café? Desceram pra pracinha? Quem está acompanhando?”
Do lado de dentro, na sacristia, mais um bocado de mãos higienizando as dezenas de âmbulas que seriam necessárias. Separando os objetos litúrgicos, contando as hóstias…
Lá, um tanto longe do local das festividades, na Escola Coronel José Batista, outro bocado de gente, agora da Pastoral Familiar, preparando o almoço que seria servido aos nossos convidados: marujos e congadeiros.
Um corre-corre motivado por amor e gratidão. “A fé move montanhas”, remove a preguiça e cria laços de fraternidade espiritual.
Entre cores, flores, tambores e orações – resistem a fé e a cultura
Foram dois anos de um silêncio quebrado apenas pelas buzinas dos carros que seguiram as carreatas em épocas festivas. Os fiéis nas portas das casas acenando, fazendo seus pequenos altares nas calçadas, todos de máscaras e sem qualquer proximidade física.
A pandemia levou não apenas as pessoas a “hibernarem”, mas também a fé se recolheu no casulo dos lares, fora dos templos e das ruas.
O mês, dito por muitos como do desgosto, mostrou-se avesso a esse estigma. Lembraremos AGOSTO de 2022 em letras maiúsculas. Voltamos às ruas. Trocamos as buzinas pelas vozes, pelas sanfonas, pelos tambores, pelas cores.
Este foi o primeiro ano em que pudemos celebrar a padroeira com a grandeza daquilo que a Mãe de Deus merece. Não que Maria precise de adornos, mas é bom lembrar que eles agregam muito ao valor que damos a nossa fé.
Até a vida fica mais suave com as pequenas belezas e cuidados.
Na pracinha do Pará, de onde saiu a primeira procissão do domingo, todas acompanhadas pelo pároco, ao redor da imagem de Nossa Senhora da Saúde, as ave-marias pareciam suaves cantigas, tal como salmos: “As filhas de reis vêm ao nosso encontro, e à vossa direita se encontra a rainha com veste esplendente de ouro de Ofir” (cf. Sl 44,10).
Marujos e congadeiros
Quantos rosários foram oferecidos à mãezinha nos 10 dias de celebrações? E quantas orações populares foram cantadas numa só manhã e tarde de domingo nas retumbantes vozes dos marujeiros e congadeiros? Não sabemos!
Imagine a beleza do que é cada guarda prestando sua homenagem, joelhos no chão, fitas coloridas que pendem das indumentárias e dos instrumentos, danças, passos, gestuais que traduzem uma fé histórica e enraizada na cultura mineira.
Imagine 16 grupos, com suas peculiaridades, distintos santos de devoção e participantes das mais diversas gerações, se unindo na completa tradução do que é o amor dos católicos por Maria.
Não apenas o cheiro de incenso é elevado aos céus, ou as orações dos fiéis e o canto dos salmos. Subiram aos céus, por meio das cantorias e dos clamores exaltados dos tambores e pandeiros, a fé dos humildes, a fé dos que, solapados pelas adversidades e preconceitos, conhecem Deus por íntima proximidade.
“_ Isso pra mim é uma alegria, graças a Deus! Sou católico desde que nasci” – afirma seu Joaquim Rosa. E acrescenta: “Eu não conhecia Itabira e olha que já fui em muitos lugares. Achei a cidade linda e a festa maravilhosa, do jeito que Nossa Senhora merece!”.
Seu Joaquim é da Guarda de Marujos São José, da cidade de Coronel Fabriciano – uma das 16 que participaram das procissões realizadas pela manhã (saindo do bairro Pará) e tarde (saindo da Praça Acrísio, no Centro). Entre elas, também a querida Guarda de Marujos Nossa Senhora da Saúde, que nasceu durante a pandemia, completou um ano em plena festa da padroeira e esteve à frente com os contatos para trazer os demais grupos.
A tradicional Sociedade Musical Euterpe Itabirana fez sua participação na procissão que antecedeu a missa de encerramento. Brilhou com um repertório bem conhecido e cantado pelos fiéis.
Manhãs, tardes e noites
Comecei este texto pelo início do fim: pelas festividades da manhã de encerramento da festa. Mas teve um quase sem fim de atividades, lideradas pelo Pe. Paulo Marcony, desde o primeiro dia da novena na Matriz da Saúde.
A abertura foi na noite de uma sexta-feira (12). Ditando o ritmo do que viria, estava lá, do início da Santa Missa ao hasteamento da bandeira, a Guarda de Marujos Nossa Senhora da Saúde.
Todos os dias da novena (de 12/08 a 20/08), antes da Celebração Eucarística, aconteceu a oração do Terço Mariano, com forte presença de representantes dos terços dos Homens e das Mulheres.
Na terça-feira, 16/08, como tradição na Paróquia, na parte da tarde, às 15h, o pároco Padre Paulo Marcony celebrou a Santa Missa para os enfermos, com unção e bênção.
Durante a semana, vários padres, provenientes de outras paróquias e cidades, participaram das celebrações: Pe. Fernando, Pe. Jeferson, Pe. Francis e Pe. Flávio – que já foi pároco da Paróquia Nossa Senhora da Saúde. No domingo, dia dos pais, a Santa Missa foi presidida pelo bispo diocesano, dom Marco Aurélio Gubiotti, que também participou da novena e missa na terça-feira à noite, dia 16.
Ao longo da novena, não faltaram também as coroações que, este ano, além das crianças, contaram também com a participação de maduras mulheres.
Ao final de cada noite, membros da Pastoral da Família (festeiros de 2022) coordenaram as barraquinhas de pastéis, caldos, canjicas – essas “gostosuras” que fazem a gente salivar e tirar um tempinho para uma prosa amiga. No último dia, inclusive, com direito a leilão.
O que levaremos?
Não poucas foram as palavras e homilias durante os 10 dias da novena e festa. Escolher entre elas seria injusto – e não com aqueles que as proferiram, mas injusto com a própria Palavra de Deus que, por si mesma, se diz em plenitude em cada Santa Missa!
Como quem redige, mesmo sabendo que cada qual viveu seu próprio instante de êxtase, cito, ainda que tomada de impressões e sensações particulares, dois momentos em que as palavras me ultrapassaram e outros dois momentos em que as imagens (gestuais) me disseram tanto quanto as palavras.
Nesta ordem:
Domingo – 14/08 – o poder das palavras
Não devemos “carregar os compromissos de fé como um fardo pesado; vamos vivê-la com o fervor do Espírito Santo. Vamos fixar os nossos olhos em Cristo. Maria é um exemplo de quem se abriu a ação do Espírito” – palavras de Dom Marco Aurélio Gubiotti na Santa Missa de domingo.
Essas poucas palavras me tomaram de tal maneira que delas retirei o título. Nada compreendemos, nada seremos capazes de fazer, e nem tão pouco de avançar na fé verdadeira, sem que estejamos total e completamente abertos a ação do Espírito. Maria o fez e por isso foi o útero que acolheu o Deus Encarnado, foi assunta ao céu e coroada Rainha.
Quinta-feira – 18/08 – a grandeza de Jesus
Jesus Eucarístico está sobre o altar. Em toda a Igreja Matriz, dezenas de joelhos dobrados, e outras tantas pessoas que não podem se ajoelhar estão de pé. A novena é para Nossa Senhora, mas é ao seu Filho, o Amado do Pai, que proclamamos a nossa fé, pedimos a sua misericórdia. Diante do Rei dos reis, assumimos nossas culpas, pedimos perdão pela nossa arrogância, agradecemos por todas as graças e nos entregamos nas mãos de Deus Pai: “Seja feita a vossa vontade”.
Domingo – 21/08 – a “oferenda” dos humildes e a verdadeira realeza
A imagem é esta: cada rei e rainha dos grupos que participaram da procissão e missa na manhã de domingo depositou sua coroa “aos pés” da mesa do altar.
Não há beleza maior do que reconhecer-se pequeno diante Daquele cujo sacrifício é memorial em cada celebração.
Jesus nos convida a tirar as vestes, sobretudo as internas, antes de nos apresentarmos diante do Pai. Quantos de nós são capazes de tamanha nudez?
“Deus pôs tudo debaixo de seus pés.” (1Cor 15,27)
Domingo – 21/08 – Obrigado
Esta palavrinha “pesa” e vale tanto quanto ouro.
Uma grande fila, com pessoas dos dois lados, formou-se no corredor central da Matriz ao final da última missa. Um número pequeno considerando-se todos e todas que não puderam estar ali. Simbólico, mas verdadeiro.
A palavra “obrigado” veio do pároco Padre Paulo Marcony. Uma forma de tirar as próprias vestes e assumir que os 10 dias de festividades só foram possíveis, tal como aconteceram, porque todas aquelas mãos (e as que não estavam ali naquele momento) se uniram e deram o melhor de si, e ofertaram de si tudo o que podiam.
(Só quem comunga da graça sabe quanto vale a moedinha da viúva).
Liliene Dante
*Um especial agradecimento às “pasconeiras” Edileia Silva, Irani Pimenta e Rosângela Perucci – da Pascom/Paróquia Nossa Senhora da Saúde. Sem elas, não teríamos todos os registros das festividades nas redes (fotos e vídeos).
*Fotos e vídeos da novena e festa estão disponíveis na página da Paróquia no Facebook.
*Nosso muito, muitíssimo obrigado, a todos grupos, guardas e banda que participaram:
1. Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário de Senhora de Oliveiras
2. Guarda de Marujos de Nossa Senhora do Rosário do Bairro Vila Paciência, Itabira
3. Guarda de Marujos de Nossa Senhora do Rosário do Bairro Água Fresca, Itabira
4. Guarda de Marujos de Nossa Senhora do Rosário do Bairro Eldorado, Itabira
5. Guarda de Marujos de Nossa Senhora do Rosário da Serra dos Alves, Itabira
6. Guarda de Marujos de São Benedito do Bairro Praia, Itabira
7. Guarda de Marujos de Sto Antônio do Bairro Gabiroba, Itabira
8. Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário de Vila Sta Rosa, Nova Era
9. Guarda de Congado de Nossa Senhora do Bairro Estação, Nova Era
10. Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário de Sta Barbara
11. Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário de Dom Silvério
12. Guarda de Marujos de São José de Coronel Fabriciano
13. Guarda de Marujos do Divino Pai Eterno de Bela Vista de Minas
14. Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário de Timóteo
15. Guarda de Congado de São Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Sta Efigênia de São Domingos das Dores
16. Guarda de Marujos de Nossa Senhora da Saúde, Itabira
17. Sociedade Musical Euterpe Itabirana