Por Frei Hipólito Martendal
Há vários santos entre os católicos que apareceram portando estigmas, semelhantes às chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ultimamente parece que tivemos até um caso raro de um homem de Deus trazer por certo tempo as chagas e depois elas virem a desaparecer. Dizem que isto teria acontecido com o capuchinho de nossos dias, o Pe. Pio, agora São Pio.
Por outro lado, estamos por demais acostumados com a idéia de milagres como eventos extraordinários, operados instantaneamente, ou pelo menos, em tempo relativamente breve, onde as coisas acontecem de tal maneira que só podem ser atribuídas a alguma intervenção divina.
De minha parte, acredito que verdadeiros milagres podem ocorrer sem todos estes atributos considerados seus sinais inconfundíveis. Posso imaginar verdadeiros milagres sendo gerados aos poucos, lentamente, com recurso às forças naturais, mas que nunca poderiam acontecer somente apela atuação destas forças.
No caso de São Francisco, por exemplo, as descrições de seus biógrafos são espetaculares. O Santo, durante uma quaresma que celebrou em honra de São Miguel Arcanjo, na véspera, ou no dia da festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro), mergulhado em profunda meditação sobre a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, tem uma visão deveras impressionante. Cristo lhe aparece como um homem crucificado, mas portando três pares de asas de Serafim. Francisco é arrebatado por um êxtase total. Aos poucos, sem ele sentir, as chagas de Jesus criam forma e implantam-se em seus membros e lado. Tomás de Celano, São Boaventura e o autor dos Fioretti descrevem-nas, bem como seu formato, a cor e a aparência dos cravos, em tudo de maneira muito semelhante.
O primeiro santo das chagas
Há algumas particularidades muito interessantes no caso de São Francisco. Ele é o primeiro homem na História a aparecer chagado. As descrições são concordes ao destacar o tamanho das feridas (eram grandes), estruturas semelhantes a cravos, com sangramentos intermitentes, principalmente na ferida do lado.
Outra característica muito forte em São Francisco era o destaque que dava à humanidade de Jesus. O último Natal, antes das Chagas, ele o celebrara em Greccio, quando pedira a um amigo que montasse a cena de Belém o mais semelhante possível ao que ele concebera, em sua imaginação poética, pois, dizia: “Quero lembrar a criança que nasceu em Belém e ver com meus olhos carnais as dificuldades de sua infância pobre, como ele dormiu na manjedoura e como, entre o boi e o burro, deitaram-no sobre o feno”. (São Francisco de Assis de Jacques Lê Goff, p.88).
Na quaresma em que foi agraciado com os sagrados estigmas, o assunto de meditações e contemplações fora a Paixão do Senhor. Por outro lado, quando se tratava de virtudes relacionadas à renúncia, à minoridade, à pobreza, ao servir, Francisco fazia questão de ser sempre o primeiro em tudo. O mesmo acontecia no desejo de imitar Nosso Senhor, no que se refere à pobreza e ao sofrimento. Queria ser o primeiro entre todos que desejasse viver como o Divino Mestre vivera. Além do mais, São Francisco era do tipo sensitivo, muito intuitivo, dado a sonhos e visões frequentes, coisas que ele interpretava realisticamente como repostas divinas à sua incessante procura de Deus e da perfeição.
Agora vamos ao essencial que desejo oferecer à meditação do leitor. Em nossos dias, os estudos que procuram as conexões entre o que é mental e o que é corporal, entre o espiritual e o material, progrediram muito e têm descoberto coisas realmente interessantes. Os estudiosos afirmam que cerca de 80% dos transtornos físicos que incomodam o ser humano são de origem psíquica. Um desejo muito forte, uma emoção avassaladora, uma necessidade premente podem converter-se em sintomas físicos e doenças.
Dias atrás lia o caso de uma mulher que sofria de dores de cabeça lancinantes e contínuas e para a qual um batalhão dos melhores médicos não encontrava qualquer causa orgânica que explicasse. Só sabiam que depois de muitos anos de sofrimentos na companhia de um marido alcoólico e muito violento, conseguira a separação. Ele ameaçara suicidar-se, caso ela não voltasse. Ela não voltara e ele dera um tiro na própria cabeça!
Cópia perfeita de Cristo
Ora, fomos condicionados a ver somatizações só em doenças. E por que o fenômeno não poderia ocorrer como resposta sadia a desejos e emoções elevados e santos? Eu imagino que no caso de São Francisco tenha ocorrido exatamente tal fenômeno. Ele tinha uma capacidade rara de exprimir fisicamente seus estados de alma. Declamava, cantava, dançava, e encenava as alegrias mais espirituais. Vertia abundantes lágrimas de tristeza ao contemplar os sofrimentos de nosso Divino Mestre, ou simplesmente por pensar que “o Amor não é amado”. Estava firmemente disposto a não sofrer menos que sofrera seu Mestre e Senhor. Nos últimos anos de vida tivera ainda que contatar a realidade decepcionante de ver seus frades envolvidos em graves divisões e querelas por causa de seus próprios ideais de pobreza e minoridade, coisas que ele considerava revelações divinas e inquestionáveis. Isto constituía seu calvário que o aproximava ainda mais de Cristo.
Então, o milagre se deu, não por uma intervenção direta e violenta do sobrenatural em seu corpo, mas por um mimetismo divino, por uma somatização de seus desejos santos de ser como o Divino Mestre a quem ele queria copiar. E a cópia foi tão perfeita, que seus contemporâneos registraram para as gerações futuras que “São Francisco é outro Cristo”.
Fonte: Franciscanos