Primeira classe

Imagem: refugiados ucranianos alojados em um salão de festas na Romênia - Foto/reprodução Vlad Ilaș (Facebook)

Dom Paulo Francisco Machado
Bispo da Diocese de Uberlândia/MG

 

A agressão da Rússia – não sei se o termo é apropriado para a invasão de militares russos na Ucrânia ou se seria melhor dizer do presidente Putin, que lançou as botas de seus soldados no solo alheio, gerou protestos na grande maioria dos países e retaliação econômica contra a Rússia.

Por outro lado, foi comovente a receptividade dos países europeus aos prófugos que, em larga escala – fala-se de mais de um milhão – enfrentaram grandes riscos nas estradas para a Polônia, Romênia, Moldávia. A Europa recebeu de braços abertos os refugiados da bela nação eslava com lágrimas de comoção, abraços, café quentinho, pão, cobertor e, sobretudo, calor humano. Louvo tais atitudes. Alegro-me com todas essas manifestações de solidariedade, de compaixão para com gente obrigada a abandonar suas casas, familiares, trabalho e bens para preservar o inestimável tesouro da vida e da paz.

Mas ao lado de aspecto tão bonito, positivo, quase que imediatamente mostrou-se um lado feio e cruel de nosso mundo a globalizar diferenças, quando “uns são mais iguais que os outros”. Assim, dois motivos nos entristecem. Logo, logo constatou-se tratamento desigual aos africanos e indianos refugiados. Verifico, salvo engano, que a pigmentação da pele, entre outras características secundárias das pessoas e etnias, continua a ser levada em conta. É o racismo a se insinuar sub-repticiamente no coração de muitos.

O segundo motivo de tristeza e reflexão foi comparar como a Europa se posicionou em relação aos refugiados africanos e sírios, prófugos da miséria e da guerra, nos anos anteriores. Para esses os braços não se abriram em efusivos abraços, sem direito a cobertor e café, mas socos, pancadas e desprezo.

Cabe-me perguntar: Em nosso mundo, dito civilizado, qual o valor de uma lágrima humana? A pessoa é qualificada pelo tipo do rosto, do nariz ou da cor dos olhos? O peso do sangue de uma pessoa preta – recordo que o termo “pessoa” é substantivo -, tem menos valor do que de pessoa branca? A lágrima de dor de qualquer ser humano não será também um pingo de brilhante, com valor para a eternidade? As angústias de gente obrigada a se exilar, sujeita a não encontrar “gente amiga em terra estranha”, não são iguais?

Estamos bem longe da proposta de Jesus Cristo, distantes de um mundo dito “civilizado”, mesmo reconhecendo as grandes conquistas forjadas pelo Evangelho de Jesus Cristo. O amor Dele, “que morreu por todos”, mediante Seu Espírito vai forjando a “Civilização do Amor”. Assim, a dor, o sangue, o suor e a angústia de cada um de nós, nos remetem a Jesus, Verbo Encarnado, que saboreou nosso vinho, degustou nosso pão, mas também sorveu o salgado das lágrimas e o ácido do vinagre misturado ao fel.

Ele, do alto da cruz manifestou claramente sua compaixão e solidariedade para com todos os sofredores e, na manhã da ressurreição, convidou-nos a esperar com confiança no amor de Seu e nosso Pai, certos de que a Ressureição não nos decepciona, não nos frustra.

Providencialmente, a Campanha da Fraternidade de 2022 convida-nos a refletir, rezar e procurar os meios para, pela educação integral, gestar um mundo melhor (“mais bom”). Será preciso, mediante os exercícios quaresmais, previstos pela Igreja, mudar o nosso coração no necessário aprendizado da caridade e da solidariedade para com todos. Contar com a graça do Mistério Pascal, solenemente celebrado, para aprender a amar como Ele, e sintonizar-nos ao coração dolorido dos irmãos e irmãs para implementar os meios mais eficazes na edificação de uma humanidade fraterna e pacífica, onde todos e todas tenham reconhecida sua dignidade humana, e, consequentemente, os mesmos direitos. No trem, no avião, no teatro há lugares de primeira, segunda e terceira classe, mas nos corações contaminados pelo Evangelho de Jesus Cristo é certo: todos somos de PRIMEIRA CLASSE.

Fonte: CNBB Leste 2

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