Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
O estilo de vida pode ser uma alavanca para promover a paz, pois diz respeito ao modo de se relacionar com o mundo – no campo familiar, no trabalho, na convivência com o semelhante. O engenho da organização social e política em cada sociedade não pode prescindir de qualificada e solidária conduta das pessoas, contracenando com os demais cidadãos em parâmetros civilizatórios que favoreçam o diálogo, a cooperação e a inegociável priorização dos pobres, vulneráveis e indefesos. É preciso reconhecer que o ser humano, com seu estilo de vida, pode criar condições favoráveis para a construção de entendimentos, o alcance de intuições importantes, de êxito em projetos e escolhas, reconhecendo o que, de fato, constitui prioridades. Por isso, as instituições precisam contribuir para que diferentes segmentos da sociedade funcionem no horizonte da solidariedade e da justiça, promovendo, assim, a paz. E o progresso depende, visceralmente, da paz, sob pena de perdas irreversíveis, levando a catástrofes que inviabilizam a vida.
É inaceitável buscar o progresso pelas ambições nacionalistas ou por meio de repressões na ordem civil. Os estilos de vida de governantes, dirigentes ou construtores da sociedade pluralista, de todos os cidadãos, quando eivados de personalismos, distanciam-se da razão e da capacidade para o diálogo. Desconsideram os entendimentos baseados no direito, na justiça e no respeito. É o estilo de vida alicerçado no diálogo e na sábia administração das diferenças que conduz à paz. E a paz, para ser conquistada e preservada, deve se sustentar na verdade e no amor, sem manipulações ou imposições ideológicas perniciosas. Nesse sentido, a Doutrina Social da Igreja Católica defende que a humanidade deve seguir na contramão da violência, combatendo desde as incursões bélicas homicidas até aquelas que alimentam o rancor e a vingança, distanciando o ser humano de uma convivência mais equilibrada na casa comum.
Todos são chamados a se convencer a respeito do perigo destrutivo causado pela hospedagem do ódio no próprio coração, e a viver em harmonia com perspectivas divergentes. Sempre haverá, certamente, um caminho e uma saída para a solução de desavenças, a exemplo do que ocorre na narrativa bíblica envolvendo Jacó e Labão. Esses personagens bíblicos estabelecem uma divergência, mas, reconhecendo que a violência poderia levá-los a perder tudo, discernem sobre os caminhos que cada um deveria seguir, garantindo a prevalência da paz. A não-violência deve inspirar o ser humano, que precisa revestir o coração com nobres sentimentos. No horizonte cristão, brilha o ideal de um estilo de vida alicerçado na caridade, com desdobramentos que têm propriedades incomparáveis e indispensáveis para qualificar relacionamentos e iniciativas, superando a tentação de rancores e de ressentimentos que alimentam vinganças e inspiram lutas já perdidas.
O caminho da não-violência pavimenta-se com o diálogo e com a sabedoria de acolher indicações capazes de semear a paz. Passo importante é reconhecer a gravidade do momento atual, acolhendo o que diz o Papa Francisco, em diferentes oportunidades: a humanidade vive uma guerra mundial aos pedaços, produzindo um mundo muito violento. Outros ciclos da história também conviveram com a violência, mas nenhum outro momento da humanidade contou com tantos recursos para se promover o diálogo e, consequentemente, construir a paz. Quando o Papa Francisco adverte para a disseminação da violência de modo fragmentado, “aos pedaços”, aponta para a responsabilidade de todos nesse processo que leva o mundo a muitos sofrimentos -devastação ambiental, terrorismos, criminalidade, tráfico humano, abusos com migrantes, fome e miséria.
Deve-se respeitar o precioso princípio de nunca responder à violência com a violência – para que o ser humano não perca o sentido da vida, gerando morte e sofrimento, especialmente para os idosos, os jovens, os pobres e os doentes. A violência leva à morte física e espiritual. Urgente é cuidar do próprio coração, para que hospede valores relacionados à fraternidade solidária, sem espaço para ressentimentos e rancores, deixando-se curar pela misericórdia. Desse modo, combate-se a hostilidade, em conformidade com o que orientava São Francisco de Assis: “A paz que anunciais com os lábios, conservai-a ainda mais abundante no vosso coração”. Em lugar da violência e da injustiça, prevaleça a bondade, que não pode ser confundida com permissividade. A bondade é força mais poderosa que a violência, capaz de convencer o ser humano sobre a importância de estar em harmonia com o seu semelhante. Permite reconhecer limites e investir na reconciliação, levando a resultados surpreendentes.
Todos são convocados a ser obreiros da paz pelo compromisso de defender, incondicionalmente, a vida em todas as suas etapas. Na história, são muitos os exemplos de obreiros da paz que alcançaram resultados impressionantes. Todos são convocados a contribuir para edificar uma sociedade mais pacífica. As comunidades cristãs são especialmente chamadas a ajudar também pela oração – força espiritual que é muito importante para inspirar a paz. Atenção especial e profética relaciona-se ao cuidado com os injustiçados e excluídos da sociedade. Outro necessário cuidado diz respeito ao ambiente doméstico, que precisa ser marcado por gestos de bondade, fazendo com que cada relacionamento contribua com a aprendizagem da tolerância e do respeito. Assim as famílias ajudam a propagar o amor, com seus integrantes buscando superar perspectivas egoístas para se exercitarem na priorização do bem de seus familiares. O ser humano está convocado a buscar estilos de vida que se alicerçam na ética da fraternidade, combatendo a lógica do medo, do fechamento, pautando-se no respeito e no diálogo sincero. Um caminho singelo, da não-violência, essencial à paz.
Fonte: Franciscanos