Para ter virtudes

Por Padre Francisco Faus

 

Não nascemos com virtudes

“As virtudes humanas são purificadas e elevadas pela graça divina” (Catecismo n. 1810); e “as virtudes teologais [fé, esperança, caridade] informam e vivificam todas as virtudes morais” (Ibid, n. 1813).

Mas, como é evidente, não se pode “purificar, elevar, informar e vivificar” o que não existe. Acontece que as virtudes humanas não brotam como cogumelos nem surgem por geração espontânea. Temos que adquiri-las, conservá-las e cultivá-las com esforço. É o que nos lembra o Catecismo: «são adquiridas humanamente» – diz – como «frutos de atos moralmente bons» (cf n. 1804).

Como orientar esse esforço por conseguir virtudes? Mais uma vez o Catecismo vai nos ajudar. Diz, sinteticamente, que se adquirem por três caminhos:

– pela educação

– por atos deliberados

– por uma perseverança sempre retomada com esforço (cf. n. 1810).

Cada um desses itens merece um ou vários comentários, que procuraremos fazer agora e nos próximos capítulos, a começar pela reflexão sobre o primeiro ponto: a educação.

As virtudes e a educação

Uma comparação pode nos introduzir no tema. Num jardim bem cuidado, crescem árvores e plantas, desabrocham flores, há frutos. Acima de tudo – se o jardim foi planejado e cuidado dia a dia com carinho e arte – existe uma harmonia que lhe dá unidade, beleza e atrativo. Tem a sua “personalidade”. Está-se bem nele. Ali se caminha agradavelmente. Proporciona um clima de paz, descanso e grato convívio.

Coloque agora, junto desse quadro, um terreno baldio, com as mesmas condições de tamanho, configuração topográfica, qualidade de solo, umidade e insolação. Que verá ali? Mato em desordem, intransitável, cheio de espinhos, lixo e sujeira; um cheiro desagradável, invasão de bichos, cultura de mosquitos e germes transmissores de doenças.

Como já percebeu, o jardim simboliza a vida em que as virtudes foram cultivadas, e o baldio a vida largada, que cresceu sem virtudes.

O descuido da educação

As virtudes se adquirem, em primeiro lugar, pela educação, diz o Catecismo. Ora, “educação” aqui não tem o sentido limitado de “instrução”, preparo técnico, escolaridade. Traduz-se melhor por  formação: formação moral, formação nas virtudes.

Os primeiros responsáveis pela formação nas virtudes são os pais. Os segundos, os mestres. Sempre, nós mesmos: como mencionaremos adiante, a pessoa adulta é responsável por si mesma; tem que assumir o dever – grave – de formar-se, procurando os meios oportunos.

Começando pela formação na infância e na adolescência, você acha que são muitos os pais e as escolas que se preocupam com a formação nas virtudes? É pena que sejam tão poucos, porque o descuido dessa formação  produz, no mínimo, duas consequências muito negativas:

– por um lado, os defeitos temperamentais da criança ou do adolescente lançam raízes cada vez mais fortes e difíceis de arrancar.

– por outro, deixa-se crescer os filhos e os alunos com uma ignorância quase total sobre as virtudes mais básicas e o seu valor: a fortaleza, a ordem, a sinceridade, o desprendimento, a afabilidade, a delicadeza, a paciência, a compreensão, a abnegação…  Não sendo conhecidas nem valorizadas, também não são praticadas. Produz-se então uma séria “insuficiência moral de base”, muito mais grave e perigosa que qualquer insuficiência física: cardíaca, renal, pulmonar, etc.

Um doente físico pode ter uma vida fecunda, santa, genial (vimos isso no capítulo quinto, ao tratarmos das limitações). Mas um “deficiente moral” está sempre à beira de se desintegrar e de desintegrar moralmente tudo o que toca: a família, a criação dos filhos, as amizades, a honestidade profissional…

Dois contrastes

Exemplificando um pouco, imagine um garoto com forte tendência para a irritabilidade e o egoísmo. Coloque-o junto de uma mãe que o mima e receia contrariá-lo (para não criar “traumas”), acrescente-lhe avós de coração mole que lhe satisfaçam todos os caprichos, envie-o a uma escola sem valores definidos ou guiada por psicologismos de almanaque, e terá uma figura humana destruída desde a infância. Cada vez mais teimoso, cada vez mais violento ao ser contrariado, cada vez mais insuportável, tirânico, invejoso, trapaceiro, ambicioso… Pais e mestres que o desgraçaram, por descurarem a formação nas virtudes, acharão que eles não têm culpa, que se trata apenas, “infelizmente” (!), de problemas psiquiátricos ou do ambiente inevitáveis…

Viremos a folha, e imaginemos outra criança, uma menina que, tendo os mesmos traços temperamentais desde o berço – irritabilidade e egoísmo – teve a felicidade de ser formada nas virtudes dentro de um lar cristão exemplar, frequentou uma escola que valorizava muito as virtudes e estava voltada para a “formação integral da pessoa” (e não só para o futuro profissional).

Pouco a pouco, irá crescendo uma moça que, como um diamante bruto, lapidado dia após dia com delicada firmeza, se tornará um esplêndido brilhante. Aparadas as arestas do mau caráter, encaminhados os ímpetos egoístas para objetivos generosos, ensinando-a “conviver”, a compartilhar os objetos pessoais (desde os primeiros brinquedos), o tempo, o lazer, com irmãos e colegas; a colaborar em alguma iniciativa de serviço aos necessitados…, essa moça, mal sair da adolescência, vai apresentar uma personalidade madura, aberta, forte, atraente.

Não estou teorizando. Os dois exemplos – o positivo e o negativo – redigi-os pensando em tipos reais de pessoas que conheci.

Formação: um dever importante

A formação nas virtudes não é, como poderiam sugerir os exemplos que acabo de expor, a tarefa de uma fase inicial da vida – o período de formação –, embora a infância e a adolescência tenham, neste sentido, uma importância capital. «A formação na acaba nunca», gostava de repisar São Josemaria.

É verdade, nunca estamos suficientemente formados. Isso é evidente para um cristão que sabe que o amor, que é a vitalidade das virtudes, não tem fim, como dizia São Paulo (1 Cor 13,8). «O amor nunca está “concluído” e completado– escrevia Bento XVI –; transforma-se ao longo da vida, amadurece… É próprio da maturidade do amor abranger todas as potencialidades do ser humano e incluir, por assim dizer, o ser humano em sua totalidade» (Deus caritas est, n. 17).

Sendo assim, vamos assumir todos nós o dever da formação nas virtudes, como uma tarefa urgente e permanente.

Dever de pais e educadores

Pais e educadores têm, nessa tarefa formativa, um papel insubstituível. Os pais não podem limitar-se a dar carinho e a ter boa vontade; e os educadores, a ficar ministrando aulas com didática e bom conteúdo técnico. Ninguém pode formar “pessoas” estando despreparado e confiando na improvisação. É necessário um preparo especializado, a troca de experiências com pessoas maduras, a renovação constante, o estudo da ciência da orientação familiar…, e, acima de tudo, a vivência pessoal. Formar sem dar exemplo é vender gato por lebre, é enganar, é deformar.

Vocês, pais, já ouviram falar de Cursos de orientação familiar? Há vários excelentes, com longa experiência internacional, guiados por um profundo sentido cristão. Vejam se não está na hora de recorrer a eles, para cobrir – quem sabe – uma omissão de anos, ou para prevenir omissões futuras. Na mesma linha, já ouviram falar de cursos que preparam para a formação de adolescentes, por exemplo, o curso chamado “Proteja seu coração”? Vale a pena conhecê-lo.

Quanto à força primordial e insubstituível do exemplo, leia estas palavras de São Josemaria Escrivá: «Os pais educam fundamentalmente com a sua conduta. O que os filhos e as filhas procuram no pai e na mãe não são apenas uns conhecimentos mais amplos que os seus, ou uns conselhos mais ou menos acertados, mas algo de maior categoria: um testemunho do valor e do sentido da vida encarnados numa existência concreta, confirmados nas diversas circunstâncias e situações que se sucedem ao longo dos anos» (É Cristo que passa, n. 28).[1]

Dever pessoal de todos

Gostaria de lembrar ainda que, quando Cristo nos convida a segui-lo, não faz distinção de idades. A mesma chamada para ser discípulo e andar pelo caminho cristão receberam o adolescente São João e o ancião Nicodemos, aquele que perguntou a Jesus, de noite: Como pode um homem nascer sendo velho? E o Senhor fez-lhe ver que o Espírito Santo pode mudar todos os que a ele se abrem com sinceridade, seja qual for a sua idade, pois sopra onde quer (cf. Jo 3,4-8).

Portanto, é para todos, em qualquer idade ou situação, o que diz O Catecismo: «As virtudes humanas…, com o auxílio de Deus, forjam o caráter e facilitam a prática do bem. O homem virtuoso sente-se feliz em praticá-las» (n. 1810). Todos temos que ir “forjando o caráter”, sobre a base das virtudes.

Por deficiente que tenha sido a sua formação até hoje, escute Cristo que lhe diz, como ao paralítico da piscina: Levanta-te e anda (Jo 5,8). Comece! Não tenha medo do esforço, porque Cristo, se você confiar nele, ele lhe estenderá a mão e, se for preciso, o ajudará a andar por cima de seus velhos defeitos, como ajudou Pedro a andar sobre o lago encrespado (cf. Mt 14,31).

 


[1]  “A força do exemplo”, Ed. Quadrante, São Paulo 2005

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