O Senhor da glória

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Frei Almir Guimarães

 

O ornato do corpo é a cabeça. A beleza das festas é a solenidade hodierna. Com efeito, estamos celebrando a ascensão de Jesus Cristo segundo a carne, que é a última de todas as festas do Senhor. Ela faz resplandecer de modo admirável a beleza da graça divina como se lhe impusesse um termo.
Santo Epifânio, bispo

Não era possível que a natureza humana de Jesus permanecesse entre nós eternamente. Não dá para entender um Jesus atravessando portas com mais de dois mil anos. Deus belo e grande resolveu, nos seus imperscrutáveis desígnios, aparecer entre nós, viver nossa vida, chorar nossas lágrimas, cantar nossos hinos, morrer nossa morte e nos arrastar para um horizonte insuspeitado num movimento de vida, vida em plenitude, vida que brotou da morte amorosa de Jesus no alto da cruz e do dinamismo de um mundo novo que nascia na manhã de Páscoa. Ressoa sempre aos nossos ouvidos a palavra: “Vós morrestes, e vossa vida está escondida em Cristo Jesus” (Cl 3, 3). Vida nova, vida do Ressuscitado, que vive junto do Pai.’

Depois de algumas manifestações o Ressuscitado desapareceu. Ele continuaria junto dos seus no regime do sacramento, do sinal, no encontro dos que sinceramente se reúnem em seu nome, no grito rouco do doente e do pobre, no sinal do pão e do vinho. Sobretudo pelo Espirito que fez derramar em nós. Estará conosco até o fim dos tempos.

Com o desaparecimento de Jesus os discípulos tiveram a certeza de que ele voltara ao Pai. Como representar essa “subida”? Os céus dos céus, além do sétimo céu, para os judeus, era a morada de Deus. Assim a ascensão é belamente representada por esta viagem para as alturas. Onde está Deus, ai está na natureza humana de Jesus ressuscitada. Um pedaço de nós no oceano de Deus.

Não cessa a comunhão dos apóstolos com Jesus. Ele continua no meio deles. Cabe aos discípulos irem pelo mundo afora e, de várias formas, anunciar o mundo novo. Ele, o Ressuscitado, os precederia.

Segundo os Atos a nuvem, a nuvem de Deus encobriu Jesus e os apóstolos não podiam mais vê-lo. Os apóstolos tomaram consciência de que o Ressuscitado os havia precedido em seu trabalho de anunciadores e portadores de um mundo novo. Nada de ficarem olhando estatelados para o céu. Não dá para ficar olhando para o céu. Os apóstolos sentem-se revestidos de um poder. Paulo mais tarde dirá: “Ai de mim se não evangelizar!”. A ascensão do Senhor marca uma virada: os discípulos não acompanham o Mestre. Ele é que os acompanha.

“Foi porque ele quis se fazer próximo de nós que nos deixou, levando consigo aquilo que é nosso; pelo fato de ter sido elevado na cruz da morte e à direita do Pai que ele se tornou próximo de nós e que nele tudo se tornou próximo. É por meio de Espírito que ele se torna próximo de nós, porque é precisamente o Espirito do qual foi ungido que se tornou Messias”.

Deus, com a ascensão de Jesus levou para o seio da Trindade aquilo que é nosso, nosso ser humano.


Texto seleto

Ascensão: tudo se enche de alegria.

A maior das festas é aquela diante da qual todo discurso nada mais é do que um simples balbucio. Na verdade, hoje, na festa da ascensão jorra uma torrente de delícias e tudo se enche de alegria. Hoje, Cristo abre a porta do céu refulgente de luz. Vinde e contemplai esse cocheiro que, de modo maravilhoso, atravessa os espaços celestes. Ninguém, nem mesmo Elias, jamais subiu ao céu, mas somente aquele que lá desceu, o Filho unigênito de Deus. Ele mesmo afirma claramente: “Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu: o Filho do Homem que está no céu” (cf. Jo 3, 13). Na verdade, esse Bom Pastor, que havia deixado nas montanhas celestes as noventa e nove ovelhas, isto é, os anjos, para procurar a ovelha que se havia perdido, tendo-a encontrado, colocou-a misericordiosamente sobre os ombros e a reconduziu ao aprisco celeste. Ofereceu-a então ao Pai do céu, dizendo: “Pai, encontrei a ovelha perdida que a serpente havia induzido ao erro. Tendo-a visto, coberta pela lama de uma vida de pecado, estendendo minha mão divina, imediatamente a levantei e, impelido por uma profunda compaixão, lavei-a no rio Jordão, perfumando-a depois com a unção do Espirito Santo. Agora, ressuscitado, venho à tua presença para oferecer à tua divindade este dom digno de ti: a ovelha reencontrada”.

Homilia atribuída a Santo Epifânio, bispo
Lecionário Monástico III, p. 546


SAUDADES DO CÉU

Senhor Jesus,
hoje deixaste essa terra dos homens.
Vieste nos tocar e tocar nosso coração
e agora estás novamente no mistério do Pai.
Vieste comer às nossas mesas,
chorar conosco nossas lágrimas,
sonhar os nossos sonhos.

Tu és o Menino das Palhas,
o Verbo de Deus feito homem,
tu és aquele que vives para sempre.

Na glória estás agora,
com teu corpo e nosso corpo,
com teu coração e nosso coração,
com tua vida e nossa vida.

Nosso destino não termina na morte,
mas a glória onde está agora a natureza humana
que assumiste.
Estás na glória, mas também estás perto de nós..
Caminhas ao nosso lado como no tempo de Emaús,
falas pela Escritura como na sinagoga de Nazaré, alimenta-nos com teu corpo como naquela ceia da despedida.

Dá-nos, Senhor Jesus, saudades da glória,
saudades do céu, saudade desse destino que nos cobrirá
com a nuvem de glória que revestiu
teu corpo na hora da despedida.

Fonte: Franciscanos


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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