“Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: ‘Não chores!’” (Lc 7,13)
O dia nublado e chuvoso parece um derramar-se de lágrimas que vêm do céu. Parte delas, talvez, ainda fruto de uma saudade que, para alguns, já entraram décadas, anos; para outros, algumas semanas ou até mesmo dias.
É provável que todos nós na casa dos 50 já tenhamos enterrado alguém muito querido(a). Faz parte da caminhada. Chegará o dia em que será o nosso corpo debaixo da terra. Que tenhamos, não necessariamente, quem chore por nós, mas pelo menos pessoas que sintam a nossa falta e orem por nossas almas. Penso que isso deve significar que não passamos por esta vida como inúteis e hipócritas.
Rezando pelos mortos
Os dois evangelhos propostos para o dia de hoje são de uma beleza singular. Faço uso, neste primeiro momento, das palavras do Evangelho de São Lucas – que foi o proclamado na Santa Missa celebrada na manhã desta quarta-feira, 02/11, na Solenidade de Todos os Fiéis Defuntos, ao lado do Cemitério do Cruzeiro, em Itabira.
“…o Senhor sentiu compaixão”. Eis aí a descrição de como Jesus se sentiu diante da dor do outro. Movido por isso, diz Ele: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” (cf. Lc 7,13s). Sabemos que o jovem, filho único da viúva, levantou. Também sabemos que ele não ressuscitou – assim como Lázaro, apenas voltou a esta vida; à vida terrena.
Mas aos nossos mortos, e em especial no mês de novembro às almas do purgatório, imploramos ao Senhor que os receba no santuário do seu Reino, porque é este o lugar onde se “saboreia a suavidade do Senhor” (Sl 26/27) e a melhor parte: pela eternidade.
Durante a homilia, Padre Paulo Marcony muito bem ressaltou: “quando praticamos a caridade, quando oramos pelos irmãos(as), quando fazemos penitências, (…) nos revestimos da graça santificadora”. É esta graça que devemos alimentar ao longo da nossa vida terrena para que ao nos despedirmos dela possamos ter um vislumbre da vida eterna. Padre Paulo ainda nos lembrou: “após a nossa morte, como nos ensina o Catecismo da Igreja Católica (CIC), temos o céu, o purgatório e o inferno. Felizes seremos nós se, pela misericórdia de Deus, chegarmos ao menos no purgatório, porque de lá sabemos que um dia subiremos ao céu”.
É por isso que rezamos também pelos mortos: para que Deus os acolha na morada eterna. Sobretudo pelas almas do purgatório, rezamos para subam aos céus e possam, finalmente, saborear a suavidade de Deus.
Da saudade e do cuidado
Apesar do prenúncio de que haveria chuva, algumas dezenas de pessoas participaram da Celebração Eucarística na rua ao lado do Cemitério do Cruzeiro. O espaço, embora relativamente pequeno, foi escolhido por acolher melhor os fiéis. Cadeiras foram colocadas na rua e uma pequena tenda abrigou a mesa do altar.
Antes da Santa Missa, muitos já tinham passado pelo cemitério, o que exige um verdadeiro malabarismo para caminhar entre os túmulos – que são muito próximos e praticamente sem espaço para a circulação de pessoas.
Ainda assim: flores, vasos, jarras, coroas, velas levaram um certo colorido e leveza ao local. Quem “visita os mortos” no Dia de Finados traz consigo esse tipo de afeto e demonstração de carinho por aqueles que já não estão entre nós.
É o que fazia seu Milton Barcelos Filho quando o interrompi para perguntar se podia fazer um registro (foto). Ele estava arrumando as flores no túmulo onde estão enterrados o pai, Milton Veríssimo Barcelos, falecido há 6 anos, e a mãe, Lourdes Maria Barcelos, falecida há 14 anos.
Conversamos um pouco e ficou claro o quanto para seu Milton a saudade ainda é presença. Não é só no dia de finados que ele vem ao cemitério: “Sempre que posso passo para conferir se está tudo certo no túmulo e rezar por eles. Aqui tinha uma imagem de Nossa Senhora, mas já ‘levaram’. A gente tem muito cuidado, mas não tem como evitar essas coisas. Aqui também estão enterrados meus avós e um tio.”
Pergunto pra ele se há algo em especial que o faz sentir falta dos pais. Sem titubear, responde: “Pai e mãe a gente nunca esquece. Quando eram vivos, eles conseguiam reunir todos os filhos (7). Depois que morreram, a família quase não se reúne mais. Sinto muita falta desses momentos”.
Para que assim caminhem os vivos
Como disse mais acima, começaria pelo Evangelho de São Lucas – o que foi proclamado na Santa Missa das 9h30. Mas quero encerrar com o Evangelho de São Mateus, uma das duas opções para as celebrações de Finados deste ano.
Mas o porquê deste Evangelho? – você pode se perguntar. E eu respondo: porque os mortos já estão mortos para este mundo e para esta vida. Mas nós ainda estamos aqui e sabemos quão difícil pode ser caminhar em alguns momentos.
Para os que foram, nossa gratidão pelos ensinamentos, pela presença, pela paternidade e maternidade amorosas, pelo cuidado de irmão ou irmã, pelas palavras de força dos amigos e amigas que estiveram por um tempo ao nosso lado. Que cada um deles e delas tenha sido acolhido na morada eterna e desfrute hoje daquilo que o Pai reserva para aqueles(as) que lhe são fiéis.
Aos que aqui estão, fiquemos atentos para o que importa: a fé, a esperança e a caridade. E se faltarem forças, ou na penumbra dos dias nublados surgirem dúvidas e a fé oscilar, não nos esqueçamos do que disse Jesus: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.” (Mt 11,28-30)
(Permitamos ser aqui guiados pelo Mestre Jesus – para que também seja Ele a nos guiar pelas mãos após a morte, rumo à vida eterna em uma das moradas na casa do Pai).
Liliene Dante
Outras fotos da celebração no Cemitério do Cruzeiro estão disponíveis na página da Paróquia no facebook. Clique aqui para acessá-las.