─ Deus me ouviu, prestou atenção à minha súplica. Bendito seja Deus que não rejeitou [não removeu de mim] a minha oração (Salmo 66,20)
O texto original desses versículos, como mostra a tradução literal da Nova Vulgata, agradece a Deus que, além de ouvi-lo, não lhe tenha tirado, não tenha “removido” dele, a sua oração (non amovit orationem meam a me).
Privar da oração, tirar de alguém a capacidade de orar, é como matar-lhe a alma. É lógico que seja assim. A oração é um dom que a graça do Espírito Santo deposita no fundo do nosso coração [1]. Pois bem, desprezar essa graça é uma forma de expulsar, de entristecer o Espírito Santo de Deus (Ef 4,30).
Sem essa graça, nós nunca seriamos capazes de ter a felicidade de estabelecer um contato direto com Deus, orando a qualquer hora, em qualquer lugar e em qualquer circunstância. «A meu ver – dizia santa Teresa de Ávila –, a oração … é apenas um relacionamento íntimo de amizade em que conversamos muitas vezes a sós com esse Deus por quem nos sabemos amados»[2].
Deus oferece o dom da oração a todos, desde os maiores santos até os maiores pecadores. Só nós, só você e eu, podemos bloquear esse dom e tornar-nos impermeáveis a ele. A nossa alma, então, privada da oração por culpa nossa, torna-se um deserto de solidão, aridez e amargura.
Talvez nos perguntemos: – “Se nem sequer o pior pecado pode nos privar da oração, o que é que a pode bloquear?” O Catecismo da Igreja nos dá uma resposta inspirada na Palavra de Deus: «Duas tentações frequentes ameaçam a oração: a falta de fé e a acídia [indiferença, tédio pelas coisas espirituais], que é uma forma de depressão devida a relaxamento do esforço espiritual, e que leva ao desânimo»[3].
Sem a fé, falar com Deus seria uma farsa; e seria uma hipocrisia falar com ele sem estar dispostos a fazer o que nos pede: Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim (Is 29,13 e Mc 7,6); rezar assim é inutilizar a graça da oração. Ora, graça desprezada, graça removida.
Lembre quais são as principais condições da boa oração:
«O pedido de perdão é a condição prévia de uma oração justa e pura», diz o Catecismo[4]. Basta o pedido confiante de misericórdia, como o do bom ladrão (Lc 23,42) ou as lágrimas silenciosas da mulher pecadora (Lc 7,44), ou o tremor contrito da adúltera (Jo 9-11) para que se estabeleça a ponte do perdão e da paz entre o coração arrependido e o coração amoroso de Jesus.
Como podemos orar bem se andamos “mascarados”? Máscara é, por exemplo, achar-nos bons como o fariseu (Lc 18,11-12), não ver os nossos defeitos, não reconhecer que somos pecadores; ou então tapar com a máscara dos bons sentimentos a má vontade em relação aos deveres que nos custa cumprir: Nem todo o que me diz “Senhor, Senhor!” entrará no Reino dos Céus, mas sim o que pratica a vontade de meu Pai que está nos Céus (Mt 7,21).
Desde o começo de sua pregação, Jesus quis infundir essa confiança ilimitada no coração de todos: Vosso Pai sabe do que tendes necessidade antes de lho pedirdes… Vosso Pai vê, vosso Pai sabe… (Mt 6, 8.27 ss).
Orai sem cessar (1Ts 5,17). Para “conviver” assim, filialmente, com Deus não precisamos de discursos, de retórica. Como já víamos, para fazer oração basta muitas vezes uma invocação afetuosa a Deus, a Jesus, a Maria, aos nossos irmãos os santos. Basta um olhar, um suspiro, uma lágrima, um gemido, um sorriso, uma lembrança, uma breve jaculatória: ”Meu Deus, eu te amo, ajuda-me!”.
É claro que esse clima de serena intimidade com Deus precisa ser aquecido por momentos diários e semanais bem mais longos e intensos: a Santa Missa, a meditação, as leituras espirituais, o Terço… [6]. O que não podemos fazer é descurar a oração.
Penso que nos pode ajudar, para encerrar este capítulo, ler e meditar duas frases de dois grandes santos.
Experimente, e verá.
Fonte: Padre Francisco Faus
[1] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2725
[2] Livro da vida, cap. 8º.
[3] cf. n. 2755
[4] cf. Catecismo, n. 2631
[5] Ibidem, n. 2711
[6] Sobre este tema ver as nossa obra Para estar com Deus, Ed. Cultor de Livros e Cleófas, S~Cao Paulo 2012
[7] Editora Santuário, Aparecida.