Artesãos da paz

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Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte/MG e Presidente da CNBB

 

Momentos difíceis vividos pela humanidade, a exemplo deste tempo de pandemia, escancaram fragilidades e produzem novas feridas, mas carregam também lições a serem aprendidas e exercidas para se conquistar um novo estilo de vida. Sem novo estilo de vida não se alcança um novo ciclo da história. Nessa perspectiva, a importante mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz 2022, alentando esperanças indispensáveis no coração da humanidade, traz oportuna indicação: dialogar é uma exigência para se alcançar aprendizados, especialmente quando se considera a tarefa cidadã, de todos, de se constituírem artesãos da paz. A arquitetura da paz é um engenho complexo que demanda o trabalho de qualificados artesãos. Essa convicção precisa ser cada vez mais partilhada, para que se ganhe tempo e rapidamente sejam obtidas metas corretivas, propostas assertivas.

Na contramão do caminho para o diálogo, pessoas e grupos insistem na adoção de práticas que se limitam a acusações. Dizem que agem dessa maneira para defender a ortodoxia, ou mesmo para construir algo novo. Resumidamente, pensam que podem cuidar do que é essencial, intocável e inegociável por meio da rigidez, pelo uso de discursos bélicos que buscam a desmoralização daqueles com quem estabelecem relação de discordância, muitas vezes desrespeitando os limites legais. É preciso ter clareza: o artesão da paz tergiversa, defende, discute, discorda, mantendo como propósito uma perspectiva edificante, no horizonte que orientou o apóstolo Paulo. O apóstolo, grande artesão da paz, explica o seu método de agir: tudo fazer para que todos sejam de Cristo.

O tom beligerante das relações tem se tornado comum, evidenciando falta de competência dialogal e, consequentemente, incapacidade para ser artesão da paz. Esse tom é manifestação de desespero, levando à ridicularização daqueles que o adotam, por não conseguirem manter adequado nível de conversação. As inquietudes deste tempo, os incômodos e os descompassos precisam de diálogos qualificados, remédios para entendimentos equivocados. Há uma tendência recorrente de se evitar o diálogo capaz de promover as renovações demandadas pela humanidade. Isso porque muitos pensam que não precisam mudar, quando, na verdade, todos devem almejar se tornar pessoas melhores, corrigindo os próprios descompassos, em um processo que ajuda a encontrar as respostas para problemas sociais. Constata-se, assim, que no lado oposto do perigoso laxismo contracena outra ameaça: um rígido moralismo que inviabiliza qualquer tipo de nova e adequada postura por um bem maior.

Muitos daqueles que pretendem defender contextos institucionais, resgatar a verdade e reconquistar horizontes inspiradores permitem-se promover a desmoralização, valendo-se de clichês que levam a esterilidade a seus próprios discursos. Embora se apresentem como defensores e guardiões da verdade, não conseguem expressar a beleza dessa verdade que dizem defender – não agem como artesãos da paz. Dentre os equívocos que cometem, está uma análise contaminada que considera tudo pior nos tempos atuais, evocando um passado paradisíaco que nunca existiu. Faltam, pois, argumentos capazes de gerar convencimento, ou indicações de mudanças necessárias. Ao invés disso, investe-se em “propaganda enganosa” ou promessas incapazes de serem cumpridas.

A urgente mudança de rumo na sociedade, a autêntica fidelidade doutrinal e institucional, o adequado compromisso com a preservação da casa comum e da família, na sua identidade e missão, dependem da arte dos diálogos, pois o mundo precisa de artesãos da paz. Ser artesão da paz é dom, tarefa e missão. Dom porque corresponde à condição de todos – filhos e filhas de Deus – dignidade maior e inigualável, princípio determinante para reger as relações entre pessoas, assumindo o compromisso da fraternidade universal. Tarefa por incluir o dever de se considerar sempre aprendiz, com dose cotidiana de humildade, para não se deixar cair na soberba que inviabiliza a capacidade de saber ouvir, inclusive aqueles que pensam diferente, até mesmo adversários, tendo no horizonte a meta de edificar a paz, pela justiça e solidariedade.

Por fim, ser artesão da paz é missão, pois, racional e espiritualmente, o sentido do viver humano é ir ao encontro do outro. Não é viver para si, com suas coisas, enjaulado simplesmente nas circunstâncias das próprias afinidades, alimentando o egoísmo e a mesquinhez. Todos têm a missão de nunca sossegar na laboriosa e cotidiana tarefa de restabelecer as relações entre as pessoas, grupos e instituições, com a convicção de que a paz é o caminho para a entrada definitiva no Reino de Deus. Um caminho que, para ser pavimentado, depende que prevaleçam, na humanidade, aqueles que são artesãos da paz.

Fonte: CNBB Leste 2

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