Por Frei Almir Guimarães
Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas
Ap 11,19a
Nossa viagem através do tempo
Nossa vida pode se comparar a uma viagem através do tempo. Entre o nascer e o morrer atravessamos planícies, escalamos montanhas, andamos com facilidade no terreno plano e, com o tempo, as pessoas nos sugerem delicadamente o uso de uma bengala ou nos oferecem o braço. Colocamos gestos, tomamos decisões, acertamos e erramos. E tudo passa. Não conseguimos reter essa sucessão de coisas, de estados interiores, esse incessante fluir. Tudo tem perfume de caducidade.
Ao longo do tempo que passa vamos modelando nosso semblante interior, nosso verdadeiro rosto. Não somos donos do tempo. Temos a graça de viver no tempo. E há tempo para tudo, como diz o Eclesiastes: tempo para rir e para chorar, tempo para trabalhar e descansar, tempo pra viver e tempo para morrer.
A impressão que temos é que Na estrada percorrida houve tempos fortes, belos, fecundos que deixaram marcas para sempre. De outro lado, também, houve tempos mortos. Permanece para sempre o bem que foi sendo feito. Terrível pensar nesses tempos vazios, tempos que nos ocupamos demais de nós mesmos, tempo em que não fizemos questão de marcar ou aceitar os toques do Senhor, tempo marcado pelo dilaceramento do pecado.
Maria teve uma existência sem tempos mortos
Hoje, solenidade da Assunção de Maria à glória, Maria, a cheia de graça, o tabernáculo do Senhor, comemoramos o tempo de Maria que se transformou em eternidade. Claro, ela também vivera sob o signo do efêmero e transitório. Vicissitudes, tempo de menina moça, promessa de casamento, a visita do anjo, o menino que nasceu nas palhas e toda a sua trajetória até o momento de sua dormição. Nasceu ela num cantinho do Oriente Médio: cuidados com as coisas de todos os dias, o pão que precisava ser assado, o cântaro para buscar água poço, a conversa com as vizinhas sobre coisas que se passavam aldeia, ramalhete de preocupações e sofrimentos, buquê de alegrias, horas cinzentas e momentos doloridos como todos vivemos.
Mas com Maria acontece alguma coisa diferente daquilo que conosco sucede. Em seu caminhar, por graça de Deus, ela não conheceu a tragédia do pecado, essa fissura interior, esse desejo contrariado de fazer o bem, mas de efetivamente fazer o mal. Maria não conheceu o drama do pecado. De nada teve que se arrepender, de renegar o que quer que seja de seu passado. Quando terminou sua carreira estava pronta para entrar na glória. Maria não conheceu tempos mortos.
A Imaculada é Senhora da glória
Fixando nosso olhar nessa mulher agraciada divisamos aquela na qual o Senhor opera maravilhas, fiel serva do Senhor que levava para o fundo dos corações tudo que lhe era anunciado, aquela que teve sua vida profundamente vinculada a de Jesus, a segunda pessoa da Trindade que tomou nossa carne na carne de Maria. Dele, desse Deus encarnado, ela fora mãe. Em tudo acompanhou o Filho e teve como ápice desse acompanhamento o estar ao pé da cruz. Ela não conheceu o pecado e por privilégio, ao terminar sua peregrinação foi elevada à glória.
Maria é a porteira da glória. Está nos espaços espirituais que designamos de céu. Seu nome é Maria da Glória, Maria do face-a-face eterno. Nós que não fomos poupados do pecado, mas resgatados pelo filho de Virgem, por sua paixão, morte e ressurreição somos também destinados à mesma glória que Maria.
Pio XII, no dia 1° de novembro de 1950 declarou como verdade de fé assunção da Virgem: “Desde toda a eternidade unida misteriosamente a Jesus Cristo, pelo mesmo desígnio de predestinação, a augusta Mãe de Deus, Imaculada na concepção, virgem completamente intacta na divina maternidade, generosa companheira do divino Redentor que obteve pleno triunfo sobre o pecado e suas consequências, ela alcançou ser guardada imune da corrupção do sepulcro como suprema coroa de seus privilégios, Semelhantemente a seu Filho, uma vez vencida a morte, foi levada em corpo e alma à pátria celeste, onde, rainha, refulge à direita de seu Filho, o Imortal, rei dos séculos”.
Texto para oração
MARIA, FILHA E MÃE DA HUMANIDADE
Maria, no coração do mundo,
no começo dos tempos,
na aurora de nossas vidas.
Maria, na noite de Belém
que dá a terra a Deus.
Maria, ternura e fidelidade,
tendo a Vida em nossas mãos.
Maria, doce e frágil,
a força e a luz,
pobre e humilde,
a glória e a riqueza.
Maria, ao pé da cruz,
mãe e filha, só,
traspassada e radiante,
humana em teu sofrimento,
divina em teu semblante.
Maria, mãe de nosso salvador,
salvadora tu mesma para nosso mundo perdido, sem rota.
Maria, filha e mãe de nossa humanidade,
ao pé da cruz.
Maria, nossa força e nossa luz,
nossa glória e nossa riqueza.
Maria, na manhã de Páscoa
discreta e quase ausente,
Maria do dias de alegria,
feliz e esquecida.
Maria, nossa alegria e nosso sorriso,
mão estendida ao pecador,
socorro dos aflitos,
Maria – perdão.
Maria, em Pentecostes,
fortaleza dos apóstolos,
sustentáculo nosso na tormenta de nossas incertezas.
Maria, nossa esperança,
que a cada dia dás ao mundo
nosso Deus.
Fonte: Franciscanos
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.