Por Frei Almir Ribeiro Guimarães
Em nossos tempos um certo receio de ler ou ouvir falar de pobreza. Quase pudor. Muitos experimentamos uma sensação de cansaço e dizemos: “Mais uma vez o tema”. O assunto foi e continua sendo examinado, debatido, criticado, enaltecido. Há posturas rigoristas e outras mais “abertas”. Umas fechadas demais, outras quase suprimindo a pobreza de nossas vida de frades. Pobreza material, cuidado com o poder. Pobreza de nosso ser criatural, cuidado com o orgulho. Os frades menores procuram saber o que vem a ser a tão propalada pobreza. Ela é fundamental para nosso modus vivendi. Fazemos um voto de viver a pobreza e colocarmo-nos alegremente na dependência total de Deus. Nus chegamos e nus partiremos. Aproximação dos pobres. Identificação com os pobres. Defesa dos pobres. Viver para os pobres. Viver com os pobres. Viver como pobres. Dependência. Simplicidade de vida. Frugalidade na mesa. Recusa de toda postura reivindicativa disto ou daquilo. Uma Província é abençoada quando alegremente seus frades tem espírito de pobre. E é como pobres que os frades vão pelo mundo.
Um depoimento: “Desconfio muito da palavra pobreza. Entre pobreza escolhida e pobreza imposta, ativa ou passiva, boa ou má. As armadilhas são numerosas. Há uma pobreza que precisa ser extirpada: aquela dos que não têm o que comer, com o que se vestir e vivem exclusão há muitas gerações, os que recebem a miséria como herança. Miséria e exclusão não são mensageiras de alegria. Descubro, mesmo assim, entre os mais pobres uma alegria que é fruto do combate que travam buscando a dignidade e distanciando-se da miséria. Para percebê-lo será necessário estar mais perto destas realidades humanas que desumanizam. É em contato com os pobres que encontro o verdadeiro sentido de meu voto de pobreza. (Frédéric-Marie Lé Méhauté, OFM)
O encantamento de Francisco pela Pobreza, que ele chamava de Senhora, veio das iniciativas do amor de Deus: “Aquilo que enche a alma de Francisco é o espanto perante a humildade de Deus, por amor que se fez esconder num bocado de pão, que se entregou de tal maneira que se fez comida para o homem. No presépio eram os membros frágeis e ternos de uma criancinha; no Calvário os tormentos de um Crucificado; na Eucaristia umas pobres migalhas de pão. Mas o que está por detrás, nos três mistérios, é a inesperada e incompreensível Loucura de Amor. Os mistérios cristãos são, pois, na maneira de sentir de Francisco, iniciativas de amor da parte de Deus antes de qualquer outra coisa. (Frei David Azevedo, OFM, “São Francisco. Fé e Vida”, Ed. Franciscana, Braga, p. 26).
A pobreza franciscana, em primeiro lugar, não é maneira de contestar um sistema de sociedade, nem estratégia apostólica, nem ato de ascese. É uma maneira de seguir os traços, as pegadas, os passos do adorável Filho de Deus que nada possuía, nem uma pedra para reclinar a cabeça. É o caminho do Filho de Deus que nos revela a grandeza da altíssima pobreza. Michel Hubaut lembra que a pobreza para Francisco não é alguma coisa que causa sofrimento ou dor, mas constitui o brasão dos maior e do mais digno dos senhores que é o Filho de Deus.
Despojamento, desapropriação, verdade, reconhecimento de nossa criatural indigência. “A desapropriação de si precisamente a forma de pobreza a respeito da qual ele sempre volta em seus escritos: “De nada se apropriar”, “Nada se atribuir…” não apenas em nível dos bens materiais, mas também no plano de suas capacidades intelectuais, morais ou seu apostolado. Ser pobre é reconhecer que nada temos de próprio, a não ser, segundo o vocabulário de Francisco “nossos vícios e pecados. Porque tudo o que há em nós de bem e de bom é dom que o Senhor no confia a serviço de sua glória e dos outros”. (Michel Hubaut, Chemins d’intériorité avec Saint François, Ed. Franciscaines, p. 193-194)
“O pobre, o que nada tem de próprio, só pode viver com a ajuda de outros aos quais ele solicita, do socorro de outros. Jesus escolheu este lugar extremo de desapropriação, o que veio a constituir um escândalo. Abandona a própria vida, até a própria honra para se colocar entre dois pobres “tipos”, verdadeiros pobres não estimados, talvez sujos, quase animais… os ladrões… já está ele no alto da cruz… recebendo umas gotas de vinagre” (Anne Lécu).
Uma pobreza que liberta
Somos chamados a:
♦ libertar-nos do culto exagerado de nossa personalidade, de nossa realização a qualquer preço para sermos mais fiéis ao projeto de Deus para nós, na vocação específica de minoridade e humildade;
♦ libertar-nos do ativismo exasperado e meticulosamente organizado que leva a uma independência na qual não há mais lugar para a criatividade do Espírito, nem para a obediência aos Ministros, nem para as respostas necessárias às esperanças de nosso mundo;
♦ libertar-nos dos medos do amanhã e tornar-nos disponíveis as surpresas que Deus hoje nos reserva, a fim de sermos livres de partir mesmo sem saber para onde (Hb 11,18), enfrentando o risco do presente e do futuro, confiando no Senhor, segundo o estilo próprio da Vida consagrada;
♦ libertar-nos das seguranças, internas e externas, que não os permitem alegrar-nos pela presença ativa do Espírito;
♦ libertar-nos das seguranças, internas e externas, que não nos permitem alegrar-nos pela presença ativa do Espírito;
♦ libertar-nos de toda propriedade pessoal, nos projetos pessoais unicamente autorreferenciais, que tristemente fazem que nos voltemos para nós mesmos;
♦ libertar-nos do muito, do demasiado dinheiro que utilizamos sem escrúpulo para muitas coisas supérfluas; deixar-nos libertar por Deus! Não podemos iniciar a caminhada sem esta atitude de libertação. (Giacomo Bini, OFM, “Relatio Ministri Geralis, Capítulo de 2003”)
Pobreza hoje
Precisamos ver hoje, como, numa sociedade socioeconômica diferente daquela do tempo de Francisco, poderemos manter o essencial de nossa pobreza. No passado, a Ordem, incessantemente atraída pela pobreza radical de Francisco, reagiu com mais ou menos vigor, contra a tendência natural de se instalar. Hoje, todos nós somos convidados a procurar como exprimir a mesma exigência. A não propriedade fundiária, a exiguidade de alojamento, a subsistência garantida através do trabalho, a precariedade do emprego, são nos dias de hoje, condição de grande número de pessoas e ainda mais importante é a multidão daqueles que vivem numa condição desumana. Portanto, tendo em vista as conjunturas locais, convém procurar a maneira de viver como os pequenos de hoje. Partilhando dessa situação, mas sem aceitar as estruturas que conservam nossos irmãos na miséria, procuraremos ser, juntamente com eles, o fermento de uma sociedade nova, chamada a participação total da salvação de Cristo. (A Caminho doc. OFM, Capítulo Extraordinário 2009, n. 22)
Fonte: Franciscanos