Viver segundo o Espírito de Jesus
♦ Vida espiritual, espiritualidade, espiritualidade cristã são expressões que empregamos e ouvimos a cada momento. Fala-se de uma espiritualidade dos leigos e de religiosos, espiritualidade dos beneditinos, dos franciscanos e dos jesuítas e assim vai. O tema é vasto e mereceria um livro para ser sumariamente abordado.
♦ Quando no homem surge a pergunta pelo sentido, quando se sente atraído pelo conhecimento de si mesmo, começa a explorar o que lhe é interior, a observar o mundo, a escutar, a pensar, a meditar, a interpretar e, por conseguinte, a escolher, a decidir, a assumir, sentimentos e comportamento. Tem início para ele a vida espiritual. Há uma vida exterior e há uma vida interior.
♦ Somos seres dotados de um corpo com todo o seu esplendor (e suas limitações) e somos animados por um sopro interior de vida que escapa à nossa percepção: um princípio invisível, que um dia cessa e deixamos de viver. Sons, cores, superfícies que tocamos. Somos matéria. Somos pó e ao pó tornaremos. Há dentro de nós, no entanto, misteriosos desejos de plenitude. Esse sopro interno não nos deixa descansar. Somos seres a caminho. Vivemos. E o que importa mesmo é viver. Há uma Plenitude que está além do comer, comprar, sorrir, viver e morrer. Tem que haver…
♦ Não basta um corpo sadio e esbelto. Não são suficientes posses e arranjos que nos permitam levar uma vida mais ou menos folgada. Nem mesmo o casamento, a casa, os amigos, o êxito ou o fracasso. Há um borbulhar incessante dentro de cada um de nós. Esse sopro pede que vivamos intensamente: relacionamentos, arte, sucesso da técnica. Temos uma vida interior: visitamo-nos a nós mesmos, contemplamos interiormente a candura do rosto de uma criança, frequentamos o silêncio interno e externo, uma peça musical nos fascina…Somos mistérios ambulantes… Quem somos nós?
♦ Cristãos que somos dizemos que vivemos uma vida espiritual. Quer dizer que nascemos, crescemos, casamo-nos, colocamos filhos no mundo, trabalhamos sob o olhar do Mistério que nos chama, nos convoca, nos arrasta para Si. Ele nos inventou… Há uma claridade que vem desse Mistério e que clareia decisões escolhas, comportamentos e nos leva até a porta de um horizonte de plenitude. Diz a Escritura que pouco abaixo dos anjos o Senhor fez o homem. Há um fogo que arde em nós. Muito dissemos e nada dissemos, tão complexo o assunto.
♦ A vida espiritual cristã transcende à vida interior, da simples interiorização da realidade. Ela pertence aos que se deixam guiar pelo Espirito de Deus (Gl 5, 18). A vida espiritual cristã é uma vida tornada possível por causa do Espírito criador que a faz ser, que a inspira, que a sustenta e que a leva a uma plenitude impossível de ser atingida por meras forças humanas.
♦ Esta vida espiritual cristã tem a ver, como já dissemos, com a vida interior humana, mas a transcende. É resposta de fé, esperança e caridade a Deus que chama e que se deixa “contar” por Jesus Cristo que se faz presença eficaz no Espírito Santo. Enzo Bianchi: “A vida espiritual cristã nasce da palavra dirigida ao cristão no batismo: “Tu és meu filho”, filho no Filho Jesus Cristo e pois filho bem amado, chamado a “respirar o Espírito Santo”, participando assim da própria vida de Deus”.
♦ Ainda o pensamento de Enzo Bianchi: “Uma vida interior – e exterior – animada e dirigida pelo Espírito Santo é explicada por diferentes expressões de São Paulo: “vida escondida com o Cristo em Deus” (Cl 3,3), vida que é o próprio Cristo (cf Cl 3,4), vida do homem interior que se renova dia após dia (2Co 4,16). Vida nova na qual o cristão caminha (cf. Rm 6,4). Até essas vertiginosas afirmações quase indizíveis: “Não sou eu que vivo, e Cristo que vive em mim” (Gl 2,20) ; ou ainda “para mim viver é Cristo e morrer é lucro (Fl 1, 21).
♦ Uma vida que pretende ser espiritual não se apoia apenas da experiência cristã da liturgia e da gnoseologia (do grego gnosis, ‘conhecimento’, e logos, ‘discurso’). Trata-se de uma experiência prática, uma ciência, de um conhecimento dado através de uma conformação de sua própria vida com a vida de Jesus Cristo. Trata-se de uma respiração que existe em nós tão profunda que num determinado momento já não é a nossa. Rilke escrevia: “Respirar, ó invisível oração”. A oração: gemido do homem ou gemido do Espirito.
♦ Normal que se pense um lugar, uma fonte, um órgão simbólico para situar a vida espiritual cristã: trata-se do coração humano que fornece a imagem mais adequada por ser o interior mais profundo do homem, porque por suas palpitações, faz vibrar todo nosso corpo. Philippe Ferlay define a vida espiritual como uma longa e paciente peregrinação na direção do coração. Assim, para a tradição bíblica e posteriormente a tradição cristã o coração é o órgão da tradição espiritual, como centro do pensamento, da vontade e do amor. Santificar o coração: eis a vida espiritual. Torna-se espiritual aquele que se deixa animar pelo Espírito. Este Espirito purifica, orienta, ilumina todas as nossas faculdades (afetividade, inteligência, vontade) e fecunda todo o nosso ser (corpo, espírito e alma). Viver no Espírito e não deixar que o coração endureça.
♦ Régine du Charlat: “A vida espiritual não é feita de um somatório de convicções, teorias ou de dogmas que se situariam exteriores a nós. Ela consiste no tocar, escutar, ver, degustar, sentir. Será uma experiência ao mesmo tempo humana e espiritual” Segundo Galilea: “É o processo de seguimento de Cristo sob o impulso do Espírito e a orientação da Igreja”.
Fonte: Franciscanos