Iniciamos no Domingo de Ramos, 28/03, a Semana Santa. Mais um ano de grande crise desencadeada pela covid-19. Neste instante de grandes dúvidas e incertezas, Dom Jaime Rocha, arcebispo de Natal, diz: “Essa é uma Semana decisiva para a nossa experiência de fé. Sim, ela pode levar-nos até mesmo à crise.”
Dom Jaime Vieira Rocha
Arcebispo de Natal (RN)
É uma Semana especial na vida da Igreja: trata-se de reviver os últimos momentos da vida terrena de Jesus, o Filho de Deus, feito Homem. Entrada em Jerusalém, última ceia, traição de Judas, discursos de despedida, lava-pés, promessa do envio do Espírito Paráclito, condenação injusta, paixão, morte, ressurreição e dom do Espírito Santo… São os eventos salvíficos que marcam essa semana. De fato, a Igreja é exortada a contemplar o Crucificado, o Servo sofredor, “homem do sofrimento, experimentado na dor, individuo de quem a gente desvia o olhar” (Is 53,3). Mas, por seus sofrimentos fomos curados (Is 53,5).
Neste tempo de pandemia, que ainda sofremos, a Igreja, nesta Semana Santa, eleva seu clamor em favor dos seus filhos e filhas. Não um clamor a um Deus indiferente, insensível ou decepcionado com os seus, mas um Deus que quer a nossa conversão, nossa mudança para uma responsabilidade consciente e construtora de um mundo melhor. A exortação à penitência e à conversão, presentes em toda a reflexão e vivência do tempo da Quaresma, levou-nos a entender o significado de nossa oração, não como dirigida a um deus distante, incompreensivo ou incompassivo, mas um Pai misericordioso e cheio de ternura, aquele que “não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós” (Rm 8,32). Na nossa experiência de fé, vivida em nossas comunidades eclesiais missionárias, somos convidados a nunca esquecer que o nosso Deus está sempre no meio de nós. Sim, Ele incita à nossa resposta, Ele nos dirige sua Palavra, Palavra de salvação, Palavra que é diversa da nossa, superior, infinita e onipotente, mas Palavra de um Pai que quer sempre dar-nos, não um favor qualquer, mesmo que seja importante e necessário, mas o dom mesmo de sua vida, a comunhão com Ele por meio do seu Filho e na unidade do seu Espírito. Sim, Deus se dá Ele mesmo a nós. É a manifestação mais plena de amor direcionado a nós, como afirma Santa Teresinha do Menino Jesus, doutora da Igreja: “Aimer c’est tout donner et se donner soi même”– amar é tudo dar e doar a si mesmo (SANTA TERESA DO MENINO JESUS E DA SANTA FACE. Poesia 54. Obras completas. Paulus, São Paulo, 2016, p. 642) –, isto é, o bom Deus nos dá o que de mais precioso possui; o seu Filho. Ele, Jesus, assume esse amor, dando-se por nós: “minha vida atual na carne, eu a vivo na fé, crendo no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). E esse amor é potente, forte, pois acontece para nós na força e poder do Espírito (cf. Lc 1,35). O mesmo Espírito que agiu em Jesus, desde a concepção no ventre virginal de Maria, nas ações de libertação e cura, realizadas por Jesus (cf. Mt 12,28; Lc 11,20: pelo Espírito de Deus ou pelo dedo de Deus). O Espírito Santo foi dado aos apóstolos, no dia da Ressurreição, conforme o Evangelho de João (cf. Jo 20,19-23). Jesus, o Ressuscitado, nos faz participar de sua vida no Espírito. E assim, nos torna membros do seu Corpo, continuadores de sua missão, porque partícipes da comunhão trinitária.
Essa é uma Semana decisiva para a nossa experiência de fé. Sim, ela pode levar-nos até mesmo à crise. Não no sentido de perder ou diminuir a fé, mas como reviravolta no nosso proceder, nas nossas atitudes e, o que mais necessário se faz: na nossa imagem de Deus. sim, porque passamos por uma crise na imagem de Deus que temos. Alguns pensam que Deus está castigando o mundo com essa pandemia; outros, que o fim do mundo já chegou; ou ainda, que o mundo já acabou e fomos deixados aqui, sozinhos. Nada disso, desde o primeiro momento do surgimento da vida, Deus sempre esteve do nosso lado. E Ele nunca nos abandonará. Mas, Ele quer a transformação de nossa vida, isto é, que nós pensemos como Ele, ajamos como Ele, amemos como Ele. Que isso seja possível, contemplemos o que a Semana santa nos propõe: a Cruz é a manifestação do amor e da misericórdia para com o mundo (cf. Jo 3,16). E nós somos anunciadores dessa misericórdia em favor de todos.