Por José Antonio Pagola
Os cristãos da primeira e da segunda geração recordavam Jesus não tanto como um homem religioso, mas como um profeta que denunciava com audácia os perigos e armadilhas de toda religião. Sua especialidade não era a observância piedosa acima de tudo, mas a busca apaixonada da vontade de Deus.
Marcos, o evangelho mais antigo e direto, apresenta Jesus em conflito com os setores mais piedosos da sociedade judaica. Entre suas críticas mais radicais devemos destacar duas: o escândalo de uma religião vazia de Deus e o pecado de substituir sua vontade por “tradições humanas” a serviço de outros interesses.
Jesus cita o profeta Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. O culto que me prestam está vazio, porque ensinam doutrinas que são preceitos humanos”. Depois denuncia em termos claros onde está a armadilha: “Deixais de lado o mandamento de Deus, ara aferrar-vos à tradição dos homens”.
É este o grande pecado. Uma vez que estabelecemos nossas normas e tradições, nós as colocamos no lugar que só Deus deve ocupar. Nós as colocamos, inclusive, acima de sua vontade: não se deve passar por alto a mínima prescrição, mesmo que vá contra o amor e cause dano às pessoas.
Nessa religião, o que importa não é Deus, mas outro tipo de interesses. Honra-se a Deus com os lábios, mas o coração esta longe dele; pronuncia-se um credo obrigatório, mas se crê no que convém; cumprem-se ritos, mas não existe obediência a Deus, e sim aos homens.
Pouco a pouco esquecemos a Deus e depois esquecemos que o esquecemos. Apequenamos o evangelho para não precisar converter-nos demais. Orientamos a vontade de Deus para o que nos interessa e esquecemos sua exigência absoluta de amor.
Pode ser este hoje o nosso pecado. Agarrar-nos, como que por instinto, a uma religião desgastada e sem força para transformar nossa vida. Continuar honrando a Deus só com os lábios. Recusar-nos à conversão e viver esquecidos do projeto de Jesus: a construção de um mundo novo segundo o coração de Deus.
Fonte: Franciscanos.org.br
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.