O Papa Bom, como era chamado carinhosamente João XXIII, nos exorta para que “nestes dias sagrados, elevemos suplicante prece a quem com sua dolorosa paixão e morte venceu o pecado, fator de dissensões, misérias e desequilíbrios, e em seu sangue reconciliou a humanidade com o Pai celeste, trazendo à terra os dons da paz.
Pacem in Terris, Paz na Terra, é o nome de uma Encíclica do Papa João XIII, escrita em 1963. O Papa começava essa sua carta afirmando que o grande anseio de paz de toda a humanidade, “não se pode estabelecer nem consolidar senão no pleno respeito da ordem instituída por Deus” (n.1). E a ordem instituída por Deus, a ordem natural da criação, muitas vezes se vê ameaçada pela “desordem que reina entre indivíduos e povos, como se as suas mútuas relações não pudessem ser reguladas senão pela força” (n.4).
No Evangelho do 4º Domingo da Quaresma (Lc 15,1-3.11-32), constata-se na atitude do filho mais novo o desejo de liberdade e autonomia que cada um traz dentro de si: “‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’ (…). Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada” (Lc 15,12-13). Muitas vezes, é desse desejo de uma autonomia, confundida com individualismo, em que “as minhas regras” são as que dominam as relações, que nascem as guerras.
Papa Bento XVI afirmou que “a liberdade só se desenvolve na responsabilidade face a um bem maior”, pois “aquilo que faço a dano dos outros, não é liberdade, mas uma ação culpável que prejudica aos outros e a mim mesmo também” (Discurso, 22.09.2011). Ao que parece, aquele desejo de liberdade e autonomia do filho mais novo, estava se desencadeando por esse caminho, que ao invés de fazer crescer só trouxe sofrimento, para outros e para ele próprio. O “esbanjar tudo numa vida desenfreada”, é sinônimo daquele modo de vida que não pensa no outro como dom a ser celebrado, mas o torna objeto do seu prazer, usado e descartado, pois “na realidade, este tipo de olhar cega e fomenta uma cultura de descarte individualista e agressiva, que transforma o ser humano num bem de consumo” (Francisco, Catequese 12.08.2020).
Nesse trecho do Evangelho de Lucas, aparece, também, a figura do filho mais velho: sempre fiel, sempre com seu pai, mas que não reconhecia o profundo amor que o pai tinha por ele (Lc 15,28-31). A atitude desse filho deveria fazer pensar sobre nossa relação de amor para com o Deus e os irmãos. Também esse filho era, ao seu modo, individualista, a ponto de não se alegrar com o reencontro do irmão que tinha se perdido na vida. Em verdade, o mais velho via o irmão mais novo como um concorrente e não como um irmão.
O trecho de Lc 15,11-32 apresenta a figura do Pai que, sem medidas, é capaz de amar e de se deixar amar. O Apóstolo Paulo afirma que Jesus ensinou que “há maior felicidade em dar do que em receber” (At 20,35). Certamente, o coração daquele Pai alegrou-se muito mais em dar o perdão ao filho que lhe foi causa de tanta vergonha, do que o filho tenha se alegrado pelo perdão recebido, pois “há muito mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não carecem de arrependimento” (Lc15,7).
A paz sobre a Terra será possível quando seremos capazes de vencer nossas guerras, movidas pelo egoísmo, pela soberba e pela busca de status. Como afirmou S. João XXIII, “há de considerar-se a convivência humana como realidade eminentemente espiritual: como intercomunicação de conhecimentos à luz da verdade, exercício de direitos e cumprimento de deveres, incentivo e apelo aos bens morais, gozo comum do belo em todas as suas legítimas expressões, permanente disposição de fundir em tesouro comum o que de melhor cada qual possua, anelo de assimilação pessoal de valores espirituais” (n.36).
Em meio ao terrível drama da guerra, que mais uma vez assusta a comunidade humana, a Quaresma se apresenta como tempo especial, para nos deixarmos tocar pela graça de Deus na busca da reconciliação. O mundo espera ansioso a reconciliação entre duas nações, o que se espera venha o mais rápido possível. Porém, Deus espera ansioso, como aquele Pai misericordioso, a nossa reconciliação, com Ele, com os irmãos, com a criação, com a Igreja. Busquemos o Sacramento da Reconciliação, busquemos a reconciliação com algum irmão com quem, talvez, não estejamos em boa relação, busquemos promover a paz entre pessoas que, talvez, estejam distantes umas das outras. Enfim, que a paz na Terra comece com a paz na Terra do nosso coração.
O Papa Bom, como era chamado carinhosamente João XXIII, nos exorta para que “nestes dias sagrados, elevemos suplicante prece a quem com sua dolorosa paixão e morte venceu o pecado, fator de dissensões, misérias e desequilíbrios, e em seu sangue reconciliou a humanidade com o Pai celeste, trazendo à terra os dons da paz: ‘Porque ele é a nossa paz: de ambos os povos fez um só… Veio e anunciou paz a vós que estáveis longe, e a paz aos que estavam perto’ (Ef 2,14-17)” (n.168).
Roma, 30 de março de 2022
Pe. Rafhael Silva Maciel
Missionário da Misericórdia
Fonte: Vatican News