Na terceira reflexão da Quaresma, Pe. Rafhael Silva Maciel sugere como exercício quaresmal oferecer “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, e, ao mesmo tempo, os nossos sofrimento e dores em favor de tantos que involuntariamente sofrem as dores das guerras e das suas consequências”.
A Transfiguração do Senhor se dá no Monte Tabor, e ali, sobre o monte, Jesus, “enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante. Eis que dois homens estavam conversando com Jesus: eram Moisés e Elias” (Lc 9,29-31). O Tabor é o lugar da Glória, o lugar em que Jesus, de certo modo, antecipa qual é o fim reservado para aqueles que escutam o que ele diz (Lc 9,35) e colocam em prática (Lc 8,21).
O referido trecho de Lucas diz qual era o assunto que Jesus conversava com Moisés e Elias: “Eles apareceram revestidos de glória e conversavam sobre a morte, que Jesus iria sofrer em Jerusalém”. Morte que Jesus sofreria, em outro monte, o Monte Calvário. Revestidos de glória eles tratavam sobre o sofrimento, sobre as dores e a morte que se tornaria morte redentora, fonte vida nova. Na Quaresma, também somos chamados a refletir sobre esse aspecto da nossa existência: a dor e o sofrimento, vividos com o olhar na Cruz Redentora, erguida no Calvário, redimensionar todas as nossas dores e angústias.
O mundo assiste, mais uma vez, ao desenrolar de uma guerra, dentre outras que acontecem em nossos dias. Os meios de comunicação mostram a dor e o sofrimento de tantas pessoas, “quantas lágrimas são derramadas, em cada instante, no mundo (…). As mais amargas são as lágrimas causadas pela maldade humana: as lágrimas de quem viu arrancar-lhe violentamente uma pessoa querida (…) Há olhos que muitas vezes param fixos no pôr-do-sol e têm dificuldade em ver a alvorada dum dia novo” (Francisco, Discurso, 05.05.2016). Essas são lágrimas do sofrimento humano diante da dor da subida dos nossos “Calvários”.
Diante do tema do sofrimento humano o Apóstolo Paulo oferece seu testemunho: “completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24). O Papa João Paulo II afirma que o Apóstolo encontrou o sentido para o sofrimento, redimensionou a dor em valor redentor, em oferta de si pela salvação das almas, pois, diz são João Paulo II, essas palavras “têm o valor de uma descoberta definitiva, que é acompanhada pela alegria: ‘Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa’ (Cl 1,24). Esta alegria provém da descoberta do sentido do sofrimento (…). O Apóstolo comunica a sua própria descoberta e alegra-se por todos aqueles a quem ela pode servir de ajuda — como o ajudou a ele — para penetrar no sentido salvífico do sofrimento” (Salvifici doloris, 1).
Como exercício quaresmal, somos convidados a oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, e, ao mesmo tempo, os nossos sofrimento e dores em favor de tantos que involuntariamente sofrem as dores das guerras e das suas consequências. São Pedro nos lembra e exorta a que “quais pedras vivas, vós também vos tornais os materiais deste edifício espiritual, um sacerdócio santo, para oferecer vítimas espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (1Pd 2,5). Eis, queridos irmãos, o significado do nosso sacerdócio batismal: oferecermo-nos como vítimas, como hóstias vivas. Que belo poder oferecer as nossas dores para amenizar a dor de outros, ou como diz poeticamente uma canção católica brasileira: “que o meu cansaço a outros descanse”.
Nesses dias de Quaresma, vivendo nossas penitências e exercícios espirituais, podemos oferecê-los e consagrá-los em favor de tantas pessoas que estão sofrendo em diversas partes do mundo, com o terror das guerras, entre tantos outros males; podemos oferecer nossos pequenos sacrifícios quaresmais, com a oração, para amenizar as dores de que padece o Sagrado Coração de Jesus diante da violência e da opressão pelas quais passam “os pequeninos” (Mt 25,40).
Que nestes dias quaresmais, o Senhor nos ajude a oferecer o dom das lágrimas, o dom da compaixão pelo sofrimento alheio, lágrimas que “nas Escrituras, pode ter dois aspetos: o primeiro é pela morte ou sofrimento de alguém. O outro aspecto são as lágrimas pelo pecado — pelo próprio pecado — quando o coração sangra pela dor de ter ofendido a Deus e ao próximo. Trata-se, portanto, de amar o outro de maneira tal que nos vinculamos a ele ou a ela até compartilharmos a sua dor” (Francisco, Audiência, 12.02.2020).
Por fim, nessa semana em que celebraremos o grande São José, nosso pai e senhor, entreguemos a ele as nossas ofertas, as nossas penitências e lágrimas, para que ele mesmo as apresente a Jesus em favor dos mais necessitados. São José que é proclamado como “sustento nas dificuldades”, ajude-nos a nos oferecermos como hóstias puras, a exercer nosso sacerdócio batismal, sacrificando em nós o que faz sofrer o Coração de Jesus, e oferecendo nossas dores para que outros descansem, na misericórdia de Deus.
Roma, 16 de março de 2021
Pe. Rafhael Silva Maciel
Missionário da Misericórdia
Fonte: Vatican News