Uma preocupação coletiva

Foto de Matthew Smith na Unsplash

Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)

 

O Papa Francisco, no horizonte sempre interpelante de sua Carta Encíclica Laudato Si’, ilumina a Campanha Junho Verde com um urgente pedido: todos unidos partilhando uma preocupação. Essa preocupação diz respeito ao meio ambiente, demandando a atenção dos mais variados segmentos da sociedade. O mundo precisa acolher advertências pertinentes, vindas de papas, confissões religiosas diversas, cientistas, filósofos, teólogos, também de organizações sociais: é preciso dedicar mais atenção ao que o ser humano vem fazendo com o planeta – a casa comum – e promover mudanças essenciais para interromper a exploração predatória dos recursos naturais. Ainda há um longo caminho de conscientização a ser trilhado, o que pode ser constatado pelas poucas repercussões e atitudes inspiradas nos nobres propósitos da Campanha Junho Verde. Muitos obstáculos impedem a adequada vivência da Campanha, a exemplo da equivocada compreensão de que a temática ambiental é simplesmente pauta político-partidária ou impostação ideológica. Um grave engano. O cuidado com a Criação de Deus é urgente compromisso cidadão. As aceleradas mudanças vividas no planeta, que adoecem a humanidade, mostram que todos precisam se unir para preservar a casa comum.   

É preciso se sensibilizar pelas raízes éticas e espirituais dos desafios ambientais, convencendo-se de que as soluções não estão simplesmente nos avanços técnicos. A superação desses desafios exige mudanças muitos profundas no comportamento humano, que precisa alinhar-se a um estilo de vida orientado por parâmetros mais saudáveis e sustentáveis. Os prejuízos ecológicos são consequência da ação humana. Apontam para a necessidade de serem adotadas novas lógicas na regência de hábitos e atitudes. Nessa perspectiva, deve-se superar o consumo exagerado para se adotar uma vida mais austera, caminho para que o desperdício seja substituído por gestos de partilha. Nesse horizonte, os cristãos são desafiados a oferecer a sua contribuição, exercendo o que se aprende na fé: o mundo deve ser considerado expressão divina da comunhão, devendo ser regido pela dinâmica da partilha.   

O mundo não é propriedade de alguns, mas ambiente onde deve prevalecer a convivência harmônica entre todos os seres vivos, pela lógica de uma ecologia integral. Essa lógica é mais importante que os princípios de um modelo equivocado de desenvolvimento que fundamenta práticas irracionais – voltadas somente para o lucro, de modo inconsequente, desconsiderando que a vida de cada ser humano deve ser priorizada. Desconsiderar a primazia da vida compromete, tragicamente, a fraternidade universal, consolidando vergonhosos cenários de exclusão social, com a perversa insensibilidade diante do sofrimento dos pobres. Para haver harmonia entre todos os seres vivos, é oportuno inspirar-se na inteligência de São Francisco de Assis. A natureza, conforme entendia São Francisco, é um livro esplêndido a ser lido com ternura e vigor. Essa lucidez franciscana deve inspirar, especialmente, o tratamento dedicado às mudanças climáticas, com suas constantes catástrofes, contemplando também medidas urgentes para diminuir diferentes formas de poluição que ameaçam a vida.  

O clima, assevera o Papa Francisco, é um bem comum, de todos e para todos, guardando um sistema complexo que diz respeito a muitas e determinantes condições para a vida humana. É preciso considerar e compreender, cientificamente e pelas experiências cotidianas, que se vive um preocupante aquecimento do planeta. Não se pode ser indiferente a essa realidade, ou ingenuamente pensar que esse fenômeno impacta somente outras partes do mundo, sem incidências na própria vida. Todos podem amargar prejuízos terríveis e irreversíveis.  Por isso, há um chamamento urgente para a adoção de novos estilos de vida, produção e consumo, para reagir ao aquecimento global. Mas, mesmo diante de um cenário tão ameaçador, constata-se que persiste um apego ao atual modelo de relação com o planeta. Aposta-se em um tipo de busca pelo bem-estar que fundamenta atitudes mesquinhas, velozmente comprometendo o equilíbrio na natureza.  

O modelo atual de desenvolvimento precisa ser confrontado, mas a humanidade se coloca refém da força sedutora do lucro e do dinheiro. É preciso reconhecer que as mudanças climáticas têm graves consequências ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas, conforme sublinha o Papa Francisco, advertindo que a conta mais pesada será sempre paga pelos mais pobres. Esse reconhecimento constitui um desafio e, diante dele, não se pode fazer “vista grossa”. Lamentavelmente, constata-se ainda uma grande indiferença em relação a muitas tragédias provocadas pelas mudanças climáticas. Outras inspiram reações até fortes, mas pouco duradouras, incapazes de gerar profundas mudanças no modo como a humanidade lida com o planeta. Frequentemente, a predatória relação do ser humano com o planeta é mascarada, seus sintomas são ocultados, conforme os interesses daqueles que detêm mais recursos e poder, desejosos de perpetuar o próprio enriquecimento, mesmo que isso signifique sacrificar a casa comum.  

A sociedade, por seus representantes nas instâncias do poder, espera, urgentemente, o desenvolvimento de políticas públicas e legislações capazes de qualificar o tratamento dedicado ao meio ambiente. Os avanços tecnológicos têm também um importante papel no equilíbrio ambiental. Ainda mais indispensável é tornar a defesa do planeta, do seu equilíbrio, uma preocupação coletiva. Promover uma sensibilização generalizada, a partir do compartilhamento de informações, de uma adequada formação nos parâmetros da ecologia integral, para inspirar a adoção de novos hábitos, mais sustentáveis, constitui passo decisivo para abrir novos caminhos, possibilitando modos de viver que alimentem a harmonia na casa comum. Conta, é verdade, a vontade político-cidadã, que precisa estar alicerçada em nobres valores e princípios espirituais. Valores e princípios que permitam reconhecer: o cuidado com o meio ambiente deve ser preocupação comum a todos, para que cada um busque viver com mais sobriedade, guiando-se pelo sentido nobre e solidário da partilha.  

Fonte: CNBB

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