“João XXIII convidou os católicos a discernir os “sinais dos tempos” e censurou as “almas desconfiadas” que viam na era moderna “somente escuridão oprimindo a face da terra”, como afirmam suas palavras de abertura do concilio. Sem dúvida que João XXIII, há 60 anos atrás, abriu para o mundo, uma grande porta ou canal de diálogo, de abertura, de comunhão.”
Por Jackson Erpen
Nesta terça-feira, 11 de outubro, são celebrados os 60 anos da abertura do Concílio Vaticano II. O Papa São João XXII dedicou a primeira parte de seu discurso inaugural aos Concílios Ecumênicos na Igreja, assim falando nos números 6 e 7:
O padre Gerson Schmidt*, que tem nos acompanhado na exposição dos documentos conciliares, dedica de forma especial o programa de hoje ao tema “Um novo ‘aggiornamento’ na Igreja”:
“São João XXIII, quando da convocação do Concílio, quis que na Igreja se abrisse uma janela para que entrasse uma brisa, um ar fresco, um sopro novo do Espírito Santo. E não temos dúvida que, por meio do Concílio, isso de fato aconteceu. O Concílio Vaticano II foi um marco decisivo para a Igreja Católica pudesse se renovar, se atualizar e dialogar com o mundo. Nessa ocasião se marcou época, como um marco histórico e fundamental. Foi o acontecimento eclesial mais importante do século XX.
O então novo papa João XXIII, que era visto inicialmente como uma figura de transição, surpreendeu o mundo ao anunciar em 25 de janeiro de 1959 a celebração do Concílio Vaticano II. Na Assembleia que ele inaugurou em 11 de outubro de 1962, justamente a 60 anos atrás, com os cardeais, bispos e assessores de todo o mundo, o Papa João XXIII disse assim: “Vou abrir a janela da Igreja para que possamos ver o que acontece do lado de fora e para que o mundo possa ver o que acontece na nossa casa”.
Houve expressões suas peculiares que davam o tom de seu pontificado, muito semelhante agora ao Papa Francisco: “aggiornamento” – renovação, “sacudir o pó imperial que cobre a Igreja”, “abrir as janelas para que entre ar fresco na Igreja”. Não devemos entender essa renovação como uma reforma total, mas como um restauro, devolvendo à Igreja sua real identidade, naquilo que realmente é ou deveria ser. “O Papa João XXIII, ao convocar o concílio, falava de uma atualização, ou melhor ainda, de uma ventilação que dispersasse o mofo acumulado ao longo dos séculos”[1]. Era necessário abrir as janelas para entrar um vento renovador e um novo brilho de esperança cristã.
Sobre essa nova brisa a entrar pelas portas e janelas da Igreja, em busca de renovação, o padre Joseph Komonchak, um dos principais historiadores do Concílio Vaticano II, lembra a visão de João XXIII. Diz de que “a Igreja não é um museu de antiguidades, mas sim um vívido jardim cheio de vida”. Bem verdade que João XXIII convidou os católicos a discernir os “sinais dos tempos” e censurou as “almas desconfiadas” que viam na era moderna “somente escuridão oprimindo a face da terra”, como afirmam suas palavras de abertura do concilio. Sem dúvida que João XXIII, há 60 anos atrás, abriu para o mundo, uma grande porta ou canal de diálogo, de abertura, de comunhão.
Hoje, o Papa Francisco insiste nessa abertura não simplesmente de uma janela para entrar uma nova brisa, mas na abertura da porta frontal. Ele fala que devemos abrir as portas da Igreja, não para que o mundo entre simplesmente, para que as pessoas se acheguem, mas para que a Igreja seja uma “igreja de saída”, ou seja, que nós cristãos possamos sair e testemunhar a fé viva e entusiasta. Há necessidade de um novo aggiornamento, palavra italiana que significa atualização, renovação. Já o Papa São João Paulo II, nas portas de novo milênio, insistia em uma nova evangelização, com novo ardor, novos métodos e nova expressão.
O Papa Francisco, na sua primeira Exortação Apóstolica Evangelii Gaudium, expressa essa renovação da Igreja, querida e desejada pelos padres conciliares, recordando também palavras memoráveis do Papa São Paulo VI. Francisco dizia assim no número 26 da EG: “Paulo VI convidou a alargar o apelo à renovação de modo que ressalte, com força, que não se dirige apenas aos indivíduos, mas à Igreja inteira. Lembremos este texto memorável, que não perdeu a sua força interpeladora: «A Igreja deve aprofundar a consciência de si mesma, meditar sobre o seu próprio mistério (…). Desta consciência esclarecida e operante deriva espontaneamente um desejo de comparar a imagem ideal da Igreja, tal como Cristo a viu, quis e amou, ou seja, como sua Esposa santa e imaculada (Ef 5, 27), com o rosto real que a Igreja apresenta hoje. (…) Em consequência disso, surge uma necessidade generosa e quase impaciente de renovação, isto é, de emenda dos defeitos, que aquela consciência denuncia e rejeita, como se fosse um exame interior ao espelho do modelo que Cristo nos deixou de Si mesmo». Continua Francisco dizendo: “O Concílio Vaticano II apresentou a conversão eclesial como a abertura a uma reforma permanente de si mesma por fidelidade a Jesus Cristo: «Toda a renovação da Igreja consiste essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação. (…) A Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta reforma perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma». Há estruturas eclesiais que podem chegar a condicionar um dinamismo evangelizador; de igual modo, as boas estruturas servem quando há uma vida que as anima, sustenta e avalia. Sem vida nova e espírito evangélico autêntico, sem «fidelidade da Igreja à própria vocação», toda e qualquer nova estrutura se corrompe em pouco tempo” (EG, 26).”
Fonte: Vatican News
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] GRINGS, Dadeus. Os Desafios do Concilio Vaticano II – Cartilha da Fé Conciliar, Pe. Reus, 2013, p. 36.