Por Frei Almir Guimarães
O espaço em que o Mistério se torna visível é a história da pessoa. Sua presença se realiza fundamentalmente na tensão humana entre a abertura infinita do homem para a verdade, o bem, a beleza e os limites colocados para tanto no espaço e no tempo da corporalidade própria e do outro.
Maurizio Formini
♦ Quem somos nós? De onde viemos e para onde a vida quer nos levar? Um ser cheio de perguntas e de questões. Este somos nós. Tomamos consciência desta tensão quando visitamos nosso interior. Se isso não acontece vivemos por viver. Temos saudade sem saber de que quê. Quase nunca encontramos respostas a tantas perguntas. Mistério: transcendência, Deus, abismo dos abismos, morte, futuro, amanhã, Deus Trindade. Tudo isso atravessa nossa mente. Em tantos momentos da vida: essa Trindade. Sinal da cruz em nossa fronte cada manhã ou ao anoitecer, na testa dos irmãos, na bênção da missa, sobre o corpo inerte dos que terminaram a peregrinação. Um Deus em três. Inútil querer compreender. Fé de carvoeiro? Talvez não. Abertura ao Mistério. Nada de matemática: três em um e um em três. Um abismo de amor. Que bom que seja assim para não corrermos o risco de colocar Deus dentro de nossas caixinhas e impedir que ele seja o que é: Mistério que nunca acabamos de descobrir. Um abismo de amor que se revela a quem ele quiser e aos que o coração não tiver sido empedernido.
♦ Esse Mistério anda a nos rondar. Sentimos seu apelo. Dele viemos e para ele nos voltamos, cansando as pernas, sorrindo e chorando, mas sempre com o bastão de peregrinos apontando para a frente, para um oceano de amor. O carburante de nossa caminhada é o Amor que nos chama. Profundidade das profundidades, nossa vida, nosso ser, a meta das metas. Sem ele, sem Mistério com m maiúsculo, tudo se torna opacidades: amores incompletos, viagens pela metade, vidas que vegetam.
♦ Um Tu para o qual precisamos nos abrir em vista de um diálogo que nos permita sobreviver ou viver de verdade. Não precisamos de um inspetor a examinar nosso comportamento, nem de um policial com arma apontada, ou um controlador de nossos atos escrevendo numa cadernetinha o que andamos perpetrando de funesto. Precisamos um sopro, de um Tu, de Alguém, precisamos do Amor. Somente o Amor nos dá alegria nesses tempos de cansativas esperas.
♦ Moisés percebeu alguma coisa do Mistério num arbusto que queimava e não parava de queimar. Fogo ardente. Terra santa, espaço sem mancha, imaculado. Foi convidado a tirar as sandálias dos pés porque pisava uma terra santa, por assim dizer, a terra de Deus. Pés nus e coração livre de toda prepotência que leva à macabra dança em torno de nós mesmos. Isaías, por sua vez, também o vislumbrou como santo, com serafins a voltejar e a cantar definitivamente santo, santo, santo. O profeta não tinha outra coisa se não juntar sua voz ao coral dos anjos: santo, santo, santo. Elias, cansado da vida e das diabólicas tomadas de decisão da megera Jezabel, entrega os pontos. Vai para uma montanha. Solidão. De repente, trovoada, mexer-se da terra, tumultos, gritarias, conversas fiadas, lá e cá, ontem e hoje. Ali não estava o Senhor… Depois, à porta da caverna, uma brisa suave. Elias cobre o rosto com as mangas de suas vestes e murmura palavras de adoração e de amor. Deixa-se envolver pelo Mistério. Pedro, o apóstolo, percebe que o Senhor Jesus está próximo dele e de seus companheiros no trabalho da pesca. Mal vestido joga-se ao mar. Sente-se indigno de uma tal vizinhança. Como nós, nus em nós mesmos, lançamo-nos ao mar. Reconhecimento de nossa nudez mais interior. Clamamos por uma veste. Não podemos viver nus.
♦ “Quem és tu? Como chamar-te? Onde é tua casa? Por que falas tão pouco? O que tu fizeste e andas fazendo?” Como uma criança somos convidados a fazer tantas perguntas quase infantis Àquele que nos envolve. A possibilidade de abrirmo-nos ao mundo do Mistério parece fundamental para nossa cultura, fragmentada, instrumental, cultura de consumo e de banalidades. Necessário respeitar a gratuidade e não querer programação no que tange à aproximação do Senhor. A experiência de Deus não é algo de automático que acontece em determinado momento ao nível de nossa consciência. Será sempre necessário o empenho da abertura. O Divino é maior do que as elucubrações racionais ou sentimentais. Ele tem iniciativa. Ele quer nos surpreender.
♦ Jesus, de alguma forma abre para nós as cortinas do Mistério. Ele fala de um Pai que o ama e de onde ele proveio. Um Pai que o cerca de todo carinho, para o qual ele volta incessantemente. Ele mesmo, esse Jesus de carne e osso, é a Palavra do Pai. Ele e o Pai são um. Todo poder ele recebe do Pai e veio ao mundo da parte desse Pai. Num determinado momento de sua caminhada ele promete de sua parte e do Pai a missão e o envio do Espírito, do Sopro, do Vento do Hálito. Antes que tudo existisse os três, a Tríade era e sempre foi. Pai, Filho e Espirito. Trindade sacrossanta.
♦ O Pai não é gerado, mas eternamente Pai. O Verbo eternamente gerado. Na plenitude dos tempos o Verbo se faz carne. Missão ad extra da segunda pessoa da Trindade. O amor do Pai pelo Verbo e vice versa é forte, tão forte que é um liame, um laço, ou seja, o Espírito. Depois da missão do Filho continua a ação do Espírito, Deus derramado em nossos corações. Vivemos o tempo do Espírito.
♦ “A perda do senso do Mistério impede o relacionamento pleno com a totalidade do existente: quem se obstina, plena ou levemente consciente, em excluir de seu interesse ou de levar em conta a realidade do Mistério contenta-se com relacionamentos imediatos, fruíveis, indecifráveis. Não atinge a realidade e nunca entra em contato com aquela parta do eu que só pode ser vivenciada a partir do envolvimento total com o real. E o real inclui essa sôfrega busca do Mistério.
Temos apenas vontade de dizer a mais não poder: Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.
Oração
Senhor, Tu sempre me deste a força necessária:
e, embora eu seja fraco,
creio em ti.
Senhor, Tu sempre colocas paz em minha vida
e, embora eu viva perturbado,
creio em ti.
Senhor, tu sempre me proteges na provação
e, embora eu sofra,
creio em ti.
Senhor, tu sempre iluminas as minhas trevas
e, embora eu não tenha luz,
creio em ti.
Fonte: Franciscanos
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.