“Tu és o Rei dos Judeus?”

Imagem: Angie Menes em Cathopic

Por Frei Almir Guimarães

 

Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor, aquele que é, que era e que vem (Apocalipse 1, 8)

Solenidade de Cristo, Rei do universo e final do ano litúrgico da vida da Igreja. Ao longo de 2028 seguimos a figura e a ação de Cristo Jesus segundo o evangelista Marcos. Hoje somos levados a escutar um diálogo entre Jesus e Pilatos, segundo o evangelista João. Solenidade de Cristo Rei e dia dos leigos. Os fiéis cristãos leigos, de modo particular, inscrevem as leis do amor e o do universo de Cristo na teia do mundo da família, da cidade, do trabalho, da política. Com suas palavras e sua vida falam da urgência de se construir uma sociedade segundo o coração de Deus.

O evangelista nos fala de diálogo reservado, de uma audiência particular. Pilatos é representante do imperador romano. Vem a Jerusalém para certificar-se que tudo funcione bem e que os impostos e riquezas sejam encaminhados para Roma e que ninguém se arvore a fazer tumultos. A ordem em primeiro lugar.

Um condenado e um procurador romano. Pilatos procura saber alguma coisa a respeito de Jesus, de maneira direta, sem intermediações. Há uma acusação a respeito do desejo de Jesus de ser rei. Pilatos, por dentro, ri disso. Talvez com ligeira pontinha de deboche pergunta:

– “Tu és o rei dos judeus?”
– Pilatos, estás fazendo esta pergunta por ti mesmo, queres saber de verdade ou simplesmente se trata de um esclarecimento judiciário, uma investigação de tua parte para satisfazer ao poder? Percebo qualquer coisa de irônico em tua voz. Tu perguntas mesmo se sou rei dos judeus?
– Onde é que se viu… vamos lá… eu não sou judeu…Estou diante da tarefa de julgar-te. Teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim… Que tu fizeste? Tenho que resolver esta questão. Tu és rei?
– Pilatos, senhor governador, eu sou rei, para isso vim, para isso o Pai me inventou. Não te preocupes porque não tenho a menor pretensão de disputar o poder imperial com Tibério…Não pertenço ao esquema a partir do qual estás a me julgar… Meu reino não é desse mundo…Não se apoia na força das armas. Vim para dar testemunho da verdade. Nada mais…É sonho de meu Pai “reinar”, fazer-se presente no mundo que saiu de suas mãos e que ele ama. Por isso eu existo e vim ao mundo. Repito: para dar testemunho da verdade.

Podemos imaginar que Pilatos tenha se sentido um tanto perturbado, mas precisava continuar a dar a impressão de estar realizando um processo… para dar satisfação aos acusadores. Ele estava convencido da inocência daquele homem “forte” que estava diante dele… mas a máquina precisava girar…

Jesus, uma criança frágil a se remexer no berço de seu nascimento e um frágil e debilitado corpo pregado ao madeiro. Antes que o mundo existisse, antes que as águas jorrassem e as trevas desaparecessem com o sol e a lua, antes que fosse tirado do barro o primeiro homem, Deus belo pensou em conviver com os mortais e sonhou de viver entre nós. Pensou na encarnação do Filho…. imaginou um mulher que o trouxesse O Filho era o primeiro nas suas intenções. Para seu Filho tudo haveria de convergir…centro de tudo… rei de verdade.

Para ele as plantas da terra, os ventos e as brisas, as fontes e nascentes, para ele todos os seres humanos… ele é o princípio, o rei, o centro de tudo, o alfa e o ômega. Os olhos de todos em todos os tempo se voltarão para esse Jesus que falou e testemunhou a criação de um mundo novo. Deus sonhou com seu enviado, seu Cristo, que deveria aparecer na plenitude dos tempos. Rei, centro de tudo. Tudo foi feito por ele, para ele e nele.

O Senhor nos deu um rei diferente, um rei coroado de espinhos, sentado no trono da cruz, empunhando um ridículo bastão. Não nos deu um rei que fosse encarnação do êxito e do sucesso, mas um soberano fracassado, um Jesus humilhado, coberto de injúrias, não respondendo às acusações contra ele proferidas. Deus nos deu um soberano sentado na incômoda, áspera e dura cadeira da cruz. Rei do serviço e rei crucificado

Dia de Cristo rei, dia do fiel cristão leigo. Quis a Igreja no momento em que se fecham as cortinas do ano litúrgico dirigir seu olhar para esses milhões de fieis leigos, homens e mulheres, jovens e idosos, professores, advogados, pedreiros e padeiros, balconistas, alfaiates, cuidadores, vereadores, motoristas, pais e mães, caminhoneiros, plantadores de alface e de soja, criadores de rebanhos e comunicadores. Estes todos sabem que têm a honrosa missão de colocar no meio do mundo o espírito do rei Cristo Jesus, morto e ressuscitado. Com ele constroem um reino de justiça e de paz, de fraternidade e de solidariedade.

Os fiéis cristãos leigos não são feitos apenas para circular nos espaços das sacristias e em torno aos altares. Vivem no mundo, se ocupam das coisas do mundo. Desejam criar uma terra de fraternidade, de justiça e de inclusão dos mais abandonados. Deveriam até mesmo gritar um pouco mais forte nas tribunas dos parlamentos para que o mundo que Jesus veio anunciar não seja simplesmente um sonho que descansa nas páginas lidas ou não lidas do que chamamos de “Escrituras”.

Oração

IRMÃO JESUS

Irmão Jesus,
sabe, é assim que gosto de te chamar.
Pronunciar teu nome já é rezar.
É como empurrar a porta de teu coração que não tem tranca.
Sabes bem quantas vezes bato.
Os caminhos de minha fé
estão pontilhados de interrogações.
Encontrei algumas respostas para elas
nos olhos que brilham refletindo teu amor.
Os donos desses olhos escrevem o teu nome com letras maiúsculas
em cada um de seus gestos.
Falam no silêncio, amadurecidos por tua presença.
Quando nada dizem é pare te escutar melhor
e quando falam é tua voz que ouço.

Irmão Jesus,
vejo-te glorificado nos vitrais das catedrais,
mas estás conosco quando à noite
acendemos a fogueira em nossos acampamentos.
Vejo-te crucificado no madeiro ou no mármore,
mas tenho certeza de que vives no canto do pássaro
e numa espiga de milho,
nos primeiros rebentos da primavera.
Tentei encontrar no vento teu respiro e tua imagem
e os encontrei no canto e na dança.
Esperavas de mim um sinal de confiança
e já me abrias os braços no dia da promessa.

Senhor, algumas vezes te procurei
no esplendor de uma igreja românica.
Vim, no entanto, perceber-te no riso de uma criança,
no coração dos pequenos, dos excluídos, dos pobres.
Nunca estás onde pensamos te encontrar e
estarás onde não se pode imaginar.

Se eu tivesse certeza de ter encontrado
sentiria até mesmo saudade dos dias em que te buscava.
Tenho necessidade de ti para continuar.
Dá-me o tempo para atravessar meus desertos
e ter mais fome e mais sede de ti.

Irmão Jesus,
gosto de dizer teu nome.
Sim, dizer teu nome, já é rezar.

Inspirado e adaptado de Jean-Pierre Bonsirven – Revista “Prier”, julho-agosto 1986, p. 4-5

Fonte: Franciscanos


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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