Tentação, deserto, Quaresma

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Frei Almir Guimarães

 

Antes de mais nada, as tentações de Jesus nos ajudam a identificar com mais lucidez e responsabilidade as tentações pelas quais pode passar hoje sua Igreja e nós que a formamos. Como seremos uma Igreja fiel a Jesus se não estamos conscientes das tentações mais perigosas que nos podem desviar hoje de seu projeto e de seu estilo de vida? José Antonio Pagola

♦ O primeiro domingo da Quaresma sempre coloca diante de nossos olhos a figura de Jesus sendo tentado no deserto. Esse é o teor do Evangelho de Lucas hoje proclamado. Tentações de Jesus e nossas tentações. A primeira leitura, por sua vez, é uma profissão de fé na bondade de Deus que fez Israel atravessar o deserto e chegar à terra prometida. “Meu pai era um arameu errante que desceu do Egito com um punhado de gente e ali viveu como estrangeiro. Ali se tornou um povo grande, forte e numeroso. Os egípcios nos maltrataram e oprimiram impondo-nos uma dura escravidão”.

♦ Houve a libertação. Houve o tempo do deserto. Israel viveu a festa da volta. Deveria percorrer o deserto até chegar o destino. Deserto, no entanto das coisas duras. Falta de água, falta de comida, falta de certeza de que o empreendimento iria dar certo. Infidelidades. Desconfiança de Deus e de Moisés. O povo começa a fabricar um bezerro de ouro e cultuar essa imagem de metal. Não tem paciência de esperar a realização da promessa. Moisés intercede por este povo de cabeça dura. Um povo que irrita o próprio Deus.

♦ Na primeira tentação, Jesus recusa de atender à solicitação do diabo de transformar pedras em pão. A pessoa precisa, comer mas nem só de pão vive o homem. Na segunda tentação, o inimigo sugere a Jesus o poder. Jesus, por sua vez, quer introduzir os homens num reino de justiça e de amor. A terceira tentação é solicitação para que Jesus provoque a Deus. Que ele se jogasse monte abaixo. Afinal de contas, o Senhor o tomaria pelas mãos. Jesus responde que não se tenta a Deus.

♦ Tentações de Jesus, nossas tentações. A satisfação das necessidades materiais não constitui o objetivo de nossa vida. A felicidade última do ser humano não consiste no desfrute e posse dos bens. Homem e mulher vão se tornando humanos quando aprendem a ouvir a Palavra do Pai. O ser humano existe para compartilhar e não possuir, dar e não reter, criar vida e não explorar o irmão.

♦ O sentido da vida não é buscar o poder, o mando, a dominação, o êxito pessoal a todo custo. Segundo Jesus, a pessoa acerta quando não busca seu próprio prestigio e poder, na competição e na rivalidade, mas quando é capaz de viver o serviço generoso e desinteressado.

♦ Deve-se resistir à tentação de querer milagres e manifestações extraordinárias de Deus a nosso favor. Não se pode tentar a Deus. O problema último da vida não se resolve sem riscos, lutas e esforços. Nada de fazer de Deus um mágico que venha resolver nossos problemas. A verdadeira fé não nos conduz à passividade, a deixar tudo a cargo de um Deus que imaginamos estar à nossa disposição. Quem compreendeu um pouco o que é ser fiel a Deus arrisca-se na luta pela justiça, paz e verdade.

♦ A Quaresma é tempo de examinar nossas tentações. Quaresma tempo de arrumar nossa vida. Quais seriam algumas de nossas tentações?

◊ Em nossa vida, por vezes, temos a tentação de deixar de lado empenhos e expedientes de vivência cristã porque “sentimos” Deus distante, não ouvindo nossos rogos e apelos. Vivemos então na repetição monótona até mesmo de gestos religiosos mas colocados sem alma. Tentação de parar no meio da estrada e sentir saudades das panelas do Egito.

◊ Estamos por demais envolvidos no mundo dinheiro, do ter, do usufruir as coisas, dos bens, do garantir o futuro, do acúmulo de bens nem sempre necessários. Não precisamos entrar em detalhes: gastança, consumismo, mercado, sofisticação. Seres epidérmicos e superficiais. Sem saudades porque anestesiados pela sociedade do ter.

◊ Grave tentação é a da indiferença. Não queremos esforçarmo-nos. Que tudo continue girando, o mundo, as pessoas… Esses outros, de perto e de longe, queremos que não nos perturbem. Imersos em nosso mundo pessoal e de pequenos interesses, movimentação incessantemente a telinha do celular, deixamos que as “pessoas se virem”. Apatia. Inércia.

◊ Há ainda essa sutil tentação de não enfrentar nosso mistério pessoal, de fazer constantes viagens ao mais profundo de nós mesmos, na auscultação dos desejos mais profundos e com medo de que assim tenhamos que fazer opções que não queremos acolher. Tentação do medo de lançar-se na aventura da vida como Abraão.

◊ Tentação da intolerância. Tudo muda. Muda o mundo, mudam as pessoas, mudam os comportamentos. Há a tentação de intransigência em todos os níveis: no seio da família, na rejeição de comportamentos diferentes de nosso modo de ver as coisas, tentação do fanatismo religioso que em nome de Deus mata. Necessário se faz criar um clima de diálogo sereno, humilde e respeitoso.

◊ Nos diferentes níveis da vida e da sociedade há a tentação do poder, da busca do prestígio e da força em detrimento dos outros. Terrível tentação que gera excluídos e suscita ódios pessoais, grupais e nacionais. Sempre de novo os cristãos sabem que precisam andar com uma bacia a lavar os pés das pessoas e enxuga-los com seu carinho.

◊ Tentação de ter, de lucro e de poder que se manifesta na falta de apreço pela natureza. Desejo de fazer prédios, destruir por causa do agronegócio. Tentação terrível porque somos responsáveis de deixar a casa arrumada para os próximos habitantes.


Oração
Perdão, Senhor, porque somos pessimistas
e reparamos quase sempre o negativo.
Perdão, porque somos covardes e logo nos assustamos.
Perdão porque somos autossuficientes
e confiamos só em nossas forças.
Perdão porque somos céticos
e nos custa crer e confiar em ti.
Perdão, porque não olhamos para o futuro,
ocupados e preocupados apenas com o presente.
Perdão, porque nos queixamos de tudo.
Perdão, porque fugimos do esforço
e logo nos cansamos.
Perdão porque queremos tudo já e
não sabemos esperar.

Fonte: Franciscanos


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui