Por Frei Gustavo Medella
Em tempos em que cantar “Atirei o pau no gato” é passível de punição como apologia de maus tratos a animais, em que criança não pode andar descalça para não ferir o pé no caco do anel de vidro que se quebrou na “Ciranda, cirandinha”, a sociedade parece ter se revestido de um tom sisudo demais. A gratuidade da festa, da dança, da brincadeira adormece esquecida na vala comum do que é considerado “perda de tempo”. “Sucesso é fruto de trabalho! Arte, cultura, folclore, poesia, teatro, nada disso contribui para o ‘progresso do país’”, garantem aqueles que perderam a capacidade de brincar.
A Solenidade da Santíssima Trindade, no entanto, vem nos apresentar a figura de um Deus que se faz brincadeira, conforme se lê no texto do Livro dos Provérbios: “Eu [a Sabedoria] estava ao seu lado como mestre de obras; eu era seu encanto, dia após dia, brincando, todo o tempo, em sua presença [do Senhor], brincando na superfície da terra, e alegrando-me em estar com os filhos dos homens” (Pr 8,30-31). Pai, Filho e Espírito Santo se entregam mutuamente numa ciranda amorosa que tem como vocação eterna espalhar-se como fonte inesgotável de Bênção. Deus joga amor no ventilador.
Numa sociedade hiperconectada, onde a intimidade se devassa em vídeos, áudios e gravações, tudo que remete a mistério corre o risco de ficar em segundo plano. A sutileza do erótico tende a ser substituída pelo escracho do pornográfico. Neste contexto, Deus Trindade deseja agir em nós com duas forças que se equilibram. A força centrípeta, atraindo-nos para o núcleo amoroso que habita em nossos corações, e a força centrífuga, que nos leva a sair de nós mesmos para anunciar em palavras e ações o quanto é bom e salutar sermos filhos e filhas do Mistério.
Fonte: Franciscanos
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.