Sete pontos e dois movimentos para interpretar a Bíblia

Foto: Kasosita em Cathopic

Por Frei Jacir de Freitas Faria [1]

 

Como interpretar a Bíblia? Essa é uma boa pergunta. A Exortação Apostólica Verbum Domini traz pistas de como ler a Bíblia, quando fala da “Hermenêutica da Sagrada Escritura na Igreja”.  Hermenêutica é um substantivo grego que significa a arte de interpretar um texto. Como fazer isso? Basta ler a Bíblia do início ao fim? Não. O ato de interpretar tem dois movimentos e sete pontos que devem ser considerados. Quais são eles? Vejamos.

Para fazer uma boa hermenêutica, uma interpretação correta da Bíblia, não podemos deixar de considerar sete pontos, a saber:

  1. a ação do Espírito na transmissão do texto,
  2. a fé que o texto transmite,
  3. a tradição da comunidade em torno do texto,
  4. a transmissão do texto,
  5. a história onde ele está situado,
  6. o modo como o fato foi contado pelo seu autor,
  7. e o tipo de literatura que resultou num texto.

Resumindo, podemos dizer que na interpretação se encontram o leitor, o contexto e o texto. O leitor interpreta o texto a partir do seu contexto, da sua realidade, sem deixar de considerar a experiência religiosa no contexto do texto.

Como eu havia dito, a interpretação ocorre em dois movimentos. O primeiro é o ato de interpretar a partir de um método que devemos usar para tirar para fora o seu sentido original, a sua gênesis. Daí a palavra exegese, tirar (ex) para fora.

Dentre os métodos de interpretação, o mais científico chama-se Histórico-Crítico. Por meio dele, vários elementos são analisados: as formas literárias, a história do texto e seu autor, as várias cópias etc. O cientista da Bíblia se ocupa desse método e são chamados de exegetas. Para fazer isso é preciso ter domínio do hebraico, do grego e do aramaico, as línguas da Bíblia original.

Outros métodos partem do texto como está na Bíblia, sem perguntar pela sua evolução na história e autor, isto é, parte do texto como está na Bíblia. Esses métodos são, por exemplo, a Análise Retórica. Temos ainda as leituras contextuais como a de gênero, que trata da relação de poder entre o homem e a mulher; a sociológica, que compreende o texto no seu contexto social; a alegórica, que compara o conteúdo do texto com outra realidade.

O segundo movimento na interpretação bíblica é a sua atualização, isto é, o trazer o passado da Bíblia para o presente. Para fazer isso, basta partir da fé e considerar a sua realidade. Caso contrário, a sua leitura será fundamentalista, isto é, manipuladora do texto. Algumas pessoas agem assim, são os que abrem a Bíblia para o ver que Deus quer falar para ela. Imagina se cai a passagem de Eclo 24,25-26): “Se a mulher não obedece ao dedo e ao olho, separa-te dela”. Vai separar da mulher? Não. Que age assim não considera a época do texto e sua realidade.

Esses dois movimentos, o ontem e o hoje do texto, são os trilhos de uma mesma linha de ferro que nos levam a um mesmo destino: Deus em nossa vida, a nossa vida em Deus. Somente nessa perspectiva é que se pode reconhecer que a Palavra de Deus é viva e se dirige a cada um de nós no momento presente da nossa vida, assim como se dirigiu, no passado, aos nossos pais e mães na fé.

Não se esqueça de considerar esses pontos na hora de sua leitura bíblica, seja para o estudo ou para o momento de leitura orante da Palavra de Deus em palavras humanas. Boa leitura e interpretação!

Fonte: franciscanos.org.br


[1]Doutor em Teologia Bíblica pela Faje (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze. Último livro: O Medo do Inferno e arte de bem morrer: da devoção apócrifa à Dormição de Maria às irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte (Vozes, 2019). Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apocrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ

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