Será que finalmente enxergamos?

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Pe. Johan Konings

 

Nos domingos anteriores acompanhamos Jesus e os apóstolos na caminhada rumo a Jerusalém, que foi, como vimos, uma grande instrução sobre seguir Jesus e assumir a cruz. E vimos também que essa instrução encontrou cabeças duras, impenetráveis… Marcos emoldurou toda a secção 8,27-10,45 (da proclamação messiânica de Jesus por Pedro até o 3° anúncio da paixão e a correspondente lição) entre dois milagres simbólicos, duas curas de cego. Na primeira, Mc 8,22-26, o trabalho era duro: Jesus teve de repetir seu gesto de cura. Já depois da instrução do caminho, em Mc 10,46-52, a cura se dá com maior facilidade, e o homem curado é admitido na companhia

de Jesus para segui-lo até Jerusalém (pois o fato ocorreu em Jericó, início da última etapa da viagem). Mc registra até o nome do cego, Bartimeu, provavelmente conhecido entre os primeiros cristãos.

Mesmo no fim do caminho, os apóstolos não compreenderam, mas um cego chegou a ver com clareza, para seguir Jesus pelo caminho. Compreender Jesus não é uma questão de status na Igreja (aqueles apóstolos que queriam ocupar os primeiros lugares, cf. domingo passado), mas de deixar-se transformar por Jesus. Aliás, no ponto final da caminhada de Jesus, no Gólgota, os apóstolos vão primar pela ausência; só vamos encontrar aí as mulheres que acompanharam Jesus pelo caminho. Portanto, o seguimento radical de Jesus pelo caminho até a cruz não é privilégio do clero…

Que os cegos veem e os coxos saltam e caminham é um sinal do tempo messiânico. A 1ª leitura de hoje o anuncia pela boca do profeta Jeremias. Este imaginou o tempo da salvação como a volta dos israelitas deportados para Jerusalém, com inclusão de cegos e coxos. Assim, o cego de Jericó, que aclama Jesus como “filho de Davi” (= Messias), vai participar da entrada de Jesus em Jerusalém e juntar sua voz à da multidão, que vai saudar Jesus com essa mesma saudação messiânica (Mc 11, 9-10). No dia do Messias, este e os cegos entram juntos na cidade de Deus…

Será que nós nos deixamos abrir os olhos para seguir o Messias na etapa decisiva de sua caminhada? Para isso, precisamos saber que somos cegos: não temos, por nós mesmos, a capacidade de seguir Jesus no seu caminho messiânico, caminho de amor e justiça radicais. Muitas vezes somos tão obcecados pelas miragens do progresso e do consumo que nem suspeitamos de nossa cegueira. Mas o cego de Jericó invoca Cristo, é por ele curado e segue-o no caminho que outros, em condições bem melhores, não quiseram seguir (por exemplo, o homem rico…). Imagem de nossa sociedade, de nossa cristandade. O povo dos pobres, submerso nas trevas da opressão econômica e da dominação cultural, que lhes impede ter uma visão do que está acontecendo, encontra em Jesus quem lhe abre os olhos, de modo que possa segui-lo, desimpedido e participando com ele, até a cruz que liberta os irmãos e irmãs.

Fonte: Franciscanos

 


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

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