Foi-se triste
Lembra da cena do encontro do jovem rico com Jesus? O rapaz foi correndo, cheio de entusiasmo ao encontro de Cristo. Aos pés do Senhor mostrou-se disposto a fazer tudo o que Deus lhe pedisse. Mas, quando Jesus concretizou, falando de entregar-se a Deus e segui-lo, o jovem abaixou a cabeça e foi-se embora triste (cf. Mc 10, 17-22).
Pensemos agora em nós e na razão das nossa tristezas
Contava São Josemaría Escrivá que conhecera um menino a quem a mãe havia ensinado, desde pequeno, a rezar de manhã e à noite. Ao acordar, recitava juntamente com ela o ato de consagração a Nossa Senhora: “Ó Senhora minha, ó minha Mãe, eu me ofereço todo a Vós, e em prova da minha devoção para convosco, vos consagro neste dia meus olhos, meus ouvidos, minha boca…” Não terminava, porém, a enumeração, porque – como quem quer prevenir equívocos – intercalava com veemência: “menos o meu coelhinho”. Tudo estava ele disposto a oferecer a Nossa Senhora…, menos o seu coelhinho. São Josemaria, ao narrar esse episódio, dizia aos que tínhamos a fortuna de ouvi-lo que pensássemos também se não teríamos o nosso “coelhinho”.
Será que não temos mesmo? Seja qual for a nossa idade – ainda que já estejamos descendo a última ladeira da vida –, o “coelhinho” é todo e qualquer “menos isto” que nós opomos a Deus, ou seja, toda e qualquer reserva ou condição intocável.
Para o jovem rico, o problema residia nas riquezas. Para nós, onde está? Qual é a nossa ressalva, o nosso “menos isto”?
Uns colocam o rótulo de intocável no seu comodismo burguês: vida cristã, sim, mas sem falar muito em sacrifícios nem renúncias. Outros desconversam quando Deus, de algum modo, lhes pede que vivam bem a castidade: parecem-se com o governador romano Félix, que gostava de ouvir São Paulo, prisioneiro em Cesareia, até o dia em que o Apóstolo começou a falar-lhe sobre a castidade e o juízo futuro. Félix, então, todo atemorizado, disse-lhe: “Por ora podes retirar-te; mandar-te-ei chamar em outra ocasião” (At 24, 25).
Há outros, casados, que talvez tenham o seu “menos isto” no filho que demoram a ter por comodismo; outros fecham os ouvidos à sua própria consciência, quando lhes diz que a honestidade nos negócios está acima da ganância; outros ainda querem ser bons cristãos, mas sem combater os defeitos que mais os dominam e lhes estão deteriorando o convívio familiar, prejudicando o trabalho ou congelando o crescimento espiritual: tudo menos renunciar à prepotência, ao comodismo, à inconstância, à crítica, ao excesso nos “aperitivos”, à desordem nos horários, etc.
E, dentro deste triste campo das recusas, é amargamente penoso – deploravelmente melancólico – o caso dos que chegam à beira de uma entrega total, para a qual Deus os escolheu desde toda a eternidade; dos que enxergam uma vocação divina que com a sua claridade os deslumbra e, na hora decisiva, se encolhem por medo e se “retiram tristes”, escondendo-se sob o manto cinzento do medo, como o jovem rico.
Seja qual for o caso, existe em todos um denominador comum: a recusa a corresponder ao amor de Deus.
Importa gravar bem este ensinamento do Evangelho. Ver claramente que não é só a rejeição radical de Deus que leva a vida ao fracasso; é também a rejeição do plano de Deus a nosso respeito, ou de algum aspecto importante do mesmo.
Cada ser humano veio ao mundo para ser o protagonista de um programa divino. Deus não nos lançou à toa na vida, mas tem um projeto para cada um de nós, que nos vai dando a conhecer – de muitos modos – com a sua graça. Depende da nossa liberdade aceitá-lo, dizendo “sim” a cada apelo divino, ou recusá-lo. Se o aceitarmos, nos encontraremos a nós mesmos, acharemos a plenitude da nossa realização. Se o recusarmos, afundaremos na frustração.
Comentando este vazio árido de uma vida frustrada, escreve poeticamente Saint-Exupéry que, num oásis do deserto africano, «junto da fonte, uma mocinha chorava, com a fronte oculta no cotovelo. Pousei-lhe docemente a mão nos cabelos e virei para mim aquele rosto. Não lhe perguntei a causa do desgosto, por saber perfeitamente que ela estava muito longe de o conhecer. A mágoa é sempre feita do tempo que corre e não formou o seu fruto” 1.
Fonte: Pe. Francisco Faus – adaptação de um trecho do livro Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens.