Por Frei Clarêncio Neotti
Em junho de 1653, a festa de Santo Antônio coincidiu com oitava da festa do Corpo de Deus que, naquele tempo, se celebrava durante oito dias e as Missas eram ditas diante do Santíssimo Sacramento exposto no Ostensório. O Padre Antônio Vieira devia fazer o sermão do Santo, que estava num belíssimo andor, mas não podia fugir dos textos litúrgicos da festa maior que era a de Corpus Christi. O Padre Vieira começou seu sermão, dizendo que lhe era mais difícil separar Santo Antônio do Santíssimo Sacramento do que unir os dois num só panegírico, num só elogio solene, numa só solenidade. “Se olho para o Ostensório – disse Vieira – parece-me ver as maravilhas de Deus operadas em Santo Antônio; se olho para o andor do Santo, parece-me ver as maravilhas de Deus operadas no mistério Eucarístico”.
Vieira desenvolve seu comprido sermão para afirmar que Santo Antônio é um Santo sacramentado. Nem a mim é difícil falar de Santo Antônio na festa do Corpo e do Sangue de Cristo. Se não o chamo de Santo Sacramentado, chamo-o de Santo Eucarístico, porque pregou continuamente sobre a Eucaristia, porque a celebrou diariamente com notória piedade, porque encontrou nela o alimento e a razão de sua vida santa.[…]
A verdade sobre a Eucaristia que Santo Antônio mais martelou foi justamente a presença real do Cristo no pão e no vinho consagrados. Escutemos a palavra do próprio Santo, em seu sermão sobre a Última Ceia: “Em Jerusalém, naquele cenáculo amplo e bem preparado, onde os Apóstolos no dia de Pentecostes receberiam o Espírito Santo, (Jesus) preparou para todos os povos que acreditam nele, um banquete de comida deliciosa. Sim, comida deliciosa, porque temos para comer o Cordeiro que tira o pecado e nos reconcilia com Deus. A mesma coisa faz hoje a Igreja no mundo inteiro. Devemos crer firmemente e professar de todo o coração que o corpo que nasceu da Virgem, pendeu da Cruz, esteve sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai é o mesmo verdadeiro corpo que hoje Jesus deu aos Apóstolos e que diariamente a Igreja o refaz e o distribui aos fiéis. Ao dizer as palavras ‘isto é o meu corpo’, o pão transubstancia-se no corpo de Cristo”. (cf Sermão para a Ceia do Senhor, III, pp. 422-423)
O Cristo Eucarístico não existe apenas para ser adorado, mas é também alimento e sustentáculo dos cristãos. Num de seus sermões pascais, ensina Santo Antônio: “A Igreja pode ser chamada de Belém, porque Belém significa a ‘casa do pão’. Ora, é na Igreja que o Cristo nos restaura com o pão do seu corpo: ‘O pão que eu darei – disse aos Apóstolos – é a minha carne para a vida do mundo’ (Jo 6, 51). É na Igreja – continua o santo – que Deus nos dará o pão da eterna bem-aventurança, quando seremos plenamente saciados, vendo a Deus face a face. O Pai do céu, doador de todas os bens, deu-nos a nós pobres, na Eucaristia, não só do bom e do melhor, mas do excelente?”.
Ainda no sermão da Ceia, Santo Antônio elogia dois grandes efeitos da Eucaristia na pessoa de quem a recebe: aumenta-lhe a devoção e diminui-lhe as tentações. E acrescenta logo: “Ai de quem entrar no banquete sem a veste nupcial da caridade (Mt 22,11) e da penitência! Porque não se podem unir as trevas e a luz (cf. 2Cor 6,14-15); porque não podem conviver Judas traidor e Jesus Salvador”.
Em todos os tempos, a Igreja ensinou que a Eucaristia nos purifica dos pecados, sim. É medicina e terapia para a nossa fraqueza, sim. Mas ao recebê-la devemos ter ou um coração sem pecado como o da Virgem Maria ao receber o Filho de Deus na Anunciação, ou o coração de um Pedro, pecador arrependido.
Vocês sabem que ‘eucaristia’ é uma palavra grega e significa ‘ação de graças’, ‘agradecimento’. A Eucaristia é a nossa permanente, repetida e eterna ação de graças ao Pai pelo dom da vida, vida nossa e Vida (com V maiúsculo), que é o Cristo que, com sua encarnação, morte e ressurreição nos trouxe garantida a imortalidade. Se o Cristo Eucarístico é um constante e perfeito ‘obrigado’ ao Pai, dele deveríamos aprender a sermos agradecidos sempre, em todos os momentos da vida, como agradecido sempre foi Santo Antônio, um Santo eucarístico. Normalmente temos um coração mais propenso a pedir e ganhar do que um coração dedicado ao louvor e agradecimento. Entramos na igreja mais para procurar uma solução rápida para as nossas angústias e necessidades do que para agradecer pelo fato de existirmos, de sermos um raio encarnado da bondade de Deus.
Comecei o sermão lembrando o Padre Vieira, termino também citando o Padre Vieira e justamente num trecho em que ele, em 1653, advertia os devotos sobre o mau costume que temos de só pedir e tornar a pedir a Santo Antônio, em vez de principalmente agradecer. Cito textualmente, no português daquele tempo: “Muitos pensam que honram Santo Antônio, invocando-o como remédio das coisas temporais. Se vos adoece o filho, Santo Antônio; se vos foge o escravo, Santo Antônio; se mandais a encomenda, Santo Antônio; se esperais o retorno, Santo Antônio; se requereis o despacho, Santo Antônio; se aguardais a sentença, Santo Antônio; se perdeis a menor miudeza de vossa casa, Santo Antônio; e, talvez, se quereis os bens da casa alheia, Santo Antônio?”.
Fonte: Franciscanos – Santo Antônio: simpatia de Deus e do povo – Editora Marques Saraiva