Responsáveis pela nossa vida

Foto de Warren Wong no Unsplash

Para que vivo eu?

 

Enquanto não tivermos uma resposta a esta pergunta, uma resposta que nos mostre o significado da nossa existência – a nossa razão de viver, de amar, de lutar, de trabalhar… -, não seremos um autêntico ser humano. Seremos um bicho mais ou menos pensante que circula, come, bebe, dorme, faz sexo, fuça, desfruta, enjoa, se ilude, se desilude, trabalha, briga, se deprime, vai ao psiquiatra, não sabe o que lhe acontece, envelhece e morre.

Faz já alguns anos, uma crônica jornalística reproduzia a resposta de uma mocinha carioca à pergunta sobre o que achava dos bandos de vândalos e pixadores que danificam instalações públicas: – «Para mim – dizia ela -, as pessoas não sabem mais o que fazer das suas vidas». Sem grandes filosofias, essa menina lembrava que nós é que temos de “fazer a nossa vida”, que é preciso “fazer algo com ela”, e que não faremos nada de válido se não “soubermos o que fazer”. Justamente por termos uma inteligência e uma vontade livre, somos os responsáveis pela nossa vida. Que fazemos dela? Que faremos dela?

Essa filósofa-mirim trouxe-me à memória outra menina e outra reportagem de jornal. No caso, uma reportagem bem triste. Em São Paulo, há vários anos, uma estudante de dezesseis anos despencou – ou se jogou? – da janela de um dos últimos andares de um prédio de apartamentos, onde uma turma de colegas consumia drogas. Morreu na hora. Entre os seus papéis, acharam-se rabiscos de umas confissões íntimas.  Desse texto, baste uma amostra: «Vou ver se aqui eu consigo dizer tudo o que sempre quis dizer. Em primeiro lugar, eu queria viver. Mas eu vivo, o problema não é esse. O problema é ter que viver para quê? Ou para quem? Eu quero encontrar algo que me faça querer viver eternamente».

A pobre mocinha não tinha descoberto ainda para que vivia, e por isso se achava perdida, sem sentido e sem rumo. Isso faz pensar que, mesmo na sua trágica desorientação, tinha uma intuição profunda do sentido humano da vida. Reparemos que ela não colocava a sua realização em possuir bens, em enriquecer, gozar dos prazeres da vida (como seria de esperar, mexendo-se num ambiente consumista e hedonista), mas numa “razão de viver”, que não conseguia achar: «Eu quero encontrar algo que me faça querer viver eternamente». Só por isso era humana: porque sentia a sede de sentido, sem a qual tudo acaba em absurdo e frustração.

Eu sou fiel a mim mesmo?

À vista desses dois episódios, tornam-se incisivas estas perguntas: – Podemos dizer que estamos configurando, orientando a nossa vida de acordo com um ideal que a cumule de sentido, ou pelo menos que lutamos para chegar a isso? Esse ideal move-nos de maneira a vencermos a preguiça, a pressão do ambiente, os impulsos meramente instintivos, a inércia e a moleza, que apagam qualquer ideal?

Estejamos certos de que só vivendo assim – à procura de um ideal que nos encha de sentido – poderemos dizer que somos fiéis a nós mesmos, à grandeza do que nós somos, às  exigências profundas da nossa dignidade de pessoas humanas; em suma, poderemos dizer que somos autênticos seres humanos.

Talvez nos mostre uma pista, para começarmos essa procura, um comentário do protagonista do romance Life after God (“A vida depois de Deus”, deste Deus que “nós matamos”), do americano Douglas Coupland.

O escritor se autodefine como membro da «primeira geração americana educada sem religião», e retrata a falta de sentido e o tédio acumulado de muitos dos seus companheiros, criados no vácuo do prazer sem Deus (drogas, álcool, sexo-carne, ausência de compromissos).

No final do romance, o protagonista faz chegar uma mensagem à namorada, que é como que o grito do vazio:

«Pois bem… eis o meu segredo. Digo-o com uma franqueza que duvido voltar a ter outra vez; de maneira que rezo para que você esteja num quarto tranquilo quando ouvir estas palavras. O meu segredo é que preciso de Deus; que estou farto e que já não posso continuar sozinho. Preciso de Deus para que me ajude a dar, pois me parece que já não sou capaz de dar; para que me ajude a ser generoso, pois me parece que desconheço a generosidade; para que me ajude a amar, pois me parece que perdi a capacidade de amar…».

Não vale a pena pensarmos a sério nessas coisas todas?

Fonte: Padre Francisco Faus

(adaptação de um trecho do livro de F. Faus: Autenticidade & Cia)

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