Relação entre Liturgia e Sinodalidade

Santa Missa com os novos cardeais e abertura da Assembleia Geral Ordinária dos Bispos, em 04/10/2023 (VATICAN MEDIA Divisione Foto)

“Ao relacionar a sinodalidade e a liturgia, é importante lembrar que a liturgia, embora não abranja todas as atividades da Igreja, é o objetivo final e a fonte primordial de toda a vida eclesial, como está afirmado na Sacrosanctum Concilium. Ela serve como o lugar apropriado para revelar, por meio de ritos e orações, o mistério de Cristo e a natureza da Igreja, ou seja, o próprio mistério da Igreja.”

 

Por Jackson Erpen

“O caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do Terceiro Milênio”: esse é o empenho programático proposto pelo Papa Francisco na comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos pelo Beato Paulo VI (São Paulo VI, ndr). De fato, a sinodalidade – ressaltou ele – “é dimensão constitutiva da Igreja”, de modo que “aquilo que o Senhor nos pede, em certo sentido, já está tudo contido na palavra ‘sínodo’”. (A sinodalidade na vida e na missão da Igreja – Comissão Teológica Internacional).

No decurso do seu 9º quinquênio, a Comissão Teológica Internacional conduziu um estudo sobre a sinodalidade na vida e na missão da Igreja. Somado ao contexto do Sínodo em andamento no Vaticano que tem por tema “Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, padre Gerson Schmidt* nos traz hoje uma reflexão sobre a relação entre liturgia e sinodalidade”:

“A relação entre Liturgia e sinodalidade [1] está manifestada de forma clara na “Sacrosanctum Concilium”, que impacta de modo significativo a vida da Igreja e a manifesta como um corpo sinodal, ou seja, uma assembleia do Povo de Deus unida e vocacionada a caminhar juntos e não de maneira isolada sem unidade.

A Imagem da Igreja como Povo de Deus, Corpo Místico de Cristo, edifício de Deus, descrito também na Constituição Lumen Gentium também conota essa caminhada conjunta, não isolada, cada qual querendo salvar a sua alma, como expressou o cardeal Odilo Scherer em entrevista recente a esse programa Brasileiro. Scherer dizia, nessa entrevista última, que a caminhada sinodal é “o momento da Igreja tomar consciência de que a Igreja não é apenas clerical, não é uma instituição do clero, pois ela não depende apenas do Papa e dos bispos, mas ela é o povo de Deus, de todos os batizados, esse povo de vocacionados, chamados pela graça de Deus a serem parte desse povo. É uma mudança digamos de impostação, de percepção da Igreja. As verdades da Igreja não é que vão mudar. Isso ninguém ponha dúvidas e ninguém espere que vai haver mudanças dogmáticas, doutrinárias sobre a Igreja. Mas o que se vai fazer é de novo trazer a luz e eu diria refrescar a memória sobre questões da Igreja que já estavam sendo um pouco esquecidas, e que estão lá já no início da vida da Igreja, no Novo Testamento, inclusive nos ensinamentos de Jesus”.

Ao relacionar a sinodalidade e a liturgia, é importante lembrar que a liturgia, embora não abranja todas as atividades da Igreja, é o objetivo final e a fonte primordial de toda a vida eclesial, como está afirmado na Sacrosanctum Concilium[2]. Ela serve como o lugar apropriado para revelar, por meio de ritos e orações, o mistério de Cristo e a natureza da Igreja, ou seja, o próprio mistério da Igreja. Assim, na ação litúrgica, ocorre a manifestação da Igreja com sua dinâmica intrínseca. Dado que a sinodalidade, conforme destacado pelo Papa Francisco, deve ser uma parte contínua da jornada da Igreja, surge a questão de como a liturgia se desenvolve e promove um modo sinodal de ser Igreja. Ser sinodal, caminhar juntos, torna-se um estilo constante do ser Igreja, não cada qual isoladamente, mas em unidade na comunidade e vida eclesial.

SÍN/ODO[3]                                                 LIT/URGIA[4]
Caminhar juntos                                 Obra de Deus para o seu povo

Importante tornar esses dois termos gregos em linguagem mais acessível, para compreensão popular clara, sobretudo na escuta radiofônica. “Sínodo” é palavra antiga e veneranda na Tradição da Igreja, cujo significado recorda os conteúdos mais profundos da Revelação. Composta pela preposição σύν, com, e pelo substantivo ὁδός, via, indica o caminho feito conjuntamente pelo povo de Deus. A tradução etimológica da palavra Sínodo, portanto, é “CAMINHAR JUNTOS”. Remete, portanto, ao Senhor Jesus, que apresenta a si mesmo como “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6), e ao fato de que os cristãos, em sua sequela, são originariamente chamados “os discípulos do caminho” (At 9,2; 19,9.23; 22,4; 24,14.22).

No grego eclesiástico, exprime o ser convocados em assembleia dos discípulos de Jesus e, em alguns casos, é sinônimo da comunidade eclesial. São João Crisóstomo, por exemplo, escreve que Igreja é “nome que indica caminhar juntos (σύνoδος)”. De fato, a Igreja – explica – é a assembleia convocada para dar graças e louvores a Deus como um coro, uma realidade harmônica onde tudo se mantém unido (σύστημα), pois aqueles que a compõem, mediante as suas recíprocas e ordenadas relações, convergem na ἀγάπη e na ὁμόνοια (o mesmo sentir). (A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, 2018, n. 3).

A principal manifestação da Igreja, de modo especial da Igreja particular, acontece na participação ativa de todo o povo de Deus nas celebrações litúrgicas, e de modo muito especial na Eucaristia: na unidade da oração, ao redor de um único altar (Cristo), presidida pelo bispo, rodeado de seu presbitério e de seus ministros [5]. Assim, a principal manifestação da totalidade da Igreja (católica) é uma grande concelebração, sob a presidência daquele que presida à comunhão universal na caridade, o bispo de Roma. A Eucaristia é sempre celebrada na comunhão, com o Papa e todos os bispos , como vemos de modo especial nas Preces Eucarísticas. Portanto, a Igreja nasce e renasce em cada Eucaristia como sínodo, corpo de Cristo “caminho”, para que na comunhão, Ele seja tudo em todos, como vem manifestado na Doxologia – ou seja, na forma litúrgica de louvor [6]. O encontro eucarístico (assembleia reunida, reunião da comunidade) é a fonte e o paradigma da espiritualidade de comunhão. É na liturgia que se exprime a sinodalidade na vida cristã e na missão da Igreja (Affectus Sinodalis, n. 109).

Fonte: Vatican News

 

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.

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[1]  Baseado em Subsídio oferecido por Pe. Luciano Massulo ao clero da Arquidiocese de Porto Alegre em setembro/23 e em Affectus Sinodalis.
[2]SC 9-10.
[3] Palavra grega que significa “caminhada em conjunto”.
[4] Palavra grega que vem de leitourgos, é traduzida por “Ação do Povo”.
[5] SC 41.
[6] A reunião eucarística é a fonte e o paradigma da espiritualidade de comunhão. Nela, exprimem-se os elementos específicos da vida cristã chamados a plasmar o affectus sinodalis (A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, n. 109).

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