Reconhecer os pecados

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A sinceridade do coração

 

O primeiro passo do arrependimento, e da salvação, do filho pródigo foi um ato de sinceridade de consciência: caiu em si e refletiu, reconheceu o erro – pecado – que o havia afundado na mais extrema miséria material me moral, e tomou a decisão que o devolveu ao amor e à paz: “Levantar-me-ei e irei a meu pai, e lhe direi: Meu pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho” (cf. Lc 15, 17-19).

O filho pródigo reconheceu a sua culpa. Nós, que somos pecadores («rogai por nós pecadores», dizemos com verdade na Ave-Maria) também precisamos reconhecer as nossas culpas. Mas, para que a nossa consciência possa ser sincera, é necessário que admitamos uma verdade básica: a falta de virtude não é nunca uma limitação ou uma fatalidade, e, portanto, sempre que falta uma virtude ou pecamos contra ela, existe culpa e, como o filho pródigo, precisamos dizer: Pequei!

Onde não há culpa é nas nossas limitações: por exemplo, na nossa falta de habilidade para contar casos, ou para penetrar nos segredos do cálculo diferencial, ou para cantar afinadamente. Da mesma forma que não há culpa nas “fatalidades” – nome impróprio que damos às contrariedades permitidas por Deus –, como é o caso infeliz de um acidente que machuca alguém que se atirou, distraído, na frente do nosso carro.

Ora, as faltas de virtude não se enquadram em nenhum dos dois casos anteriores. Pecados como a impaciência, a preguiça, o egoísmo sensual, a mentira, a desonestidade nos negócios, a inconstância, a deslealdade, a crítica…, não são limitações psicológicas nem fatalidades, mas culpas, faltas de que devemos responsabilizar-nos.

Talvez alguém diga que, em certas ocasiões, é tão difícil praticar uma virtude, que tudo parece desculpar-nos. Mas Deus nosso Senhor retrucará que para cada dificuldade há uma graça adequada que Ele nos oferece, e que é próprio do cristão não ficar vencido pelos obstáculos, mas crescer neles, superando-os com virtudes mais firmes[1].

É por isso que não podemos encarar os nossos pecados como uma espécie de “falha do circuito” ou defeito técnico inevitável, mas como frutos culpáveis do amor-próprio egoísta, que não soube recorrer ao auxílio de Deus e lutar como devia em cada ocasião: aceitando pacientemente os defeitos dos outros, sacrificando um prazer momentâneo para não trair a fidelidade, apertando um pouco mais o horário de um domingo para garantir a assistência à Missa, etc.

Tudo isto é algo que devemos levar muito em conta ao fazermos os nossos exames de consciência e ao prepararmos as nossas confissões. Não esqueçamos que, ao Sacramento da Confissão, vamos “acusar-nos”, não “desculpar-nos” ou, como alguns fazem, “culpar” os outros (essa típicas confissões das noras irritadas, que o padre tem que encerrar perguntando: – “Muito bem, minha filha, já confessou os pecados da sua sogra.  Não está na hora de confessar algum pecado seu?”).

As nossas “dívidas”

Quando uma mulher pecadora irrompeu na sala de um banquete, para o qual Cristo tinha sido convidado por Simão fariseu, e ficou chorando a seus pés, Simão se escandalizou: “Se este homem fosse profeta  – pensou –, saberia quem é a mulher quer está tocando nele: é uma pecadora!” (Lc 7, 39).

Jesus, com suavidade, ajudou o fariseu a tirar a máscara da hipocrisia, contando uma “estória”: “Um credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários e o outro cinquenta. Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos a dívida. Qual deles o amará mais?” (Lc 7, 41-42). Como é lógico, o fariseu respondeu: “Aquele ao qual perdoou mais”.

Vamos parar aí e deter-nos numa palavra pronunciada por Cristo: “devedor”. Por que comparou a pecadora arrependida com um “devedor”?

Pensemos um pouco. Por que é que aquela pobre mulher desconhecida se lançou repentinamente aos pés de Jesus e sobre eles derramou o que tinha de mais precioso, um perfume de alto valor, como que querendo resgatar alguma grande e misteriosa “dívida”?

Em princípio, não se entende bem por que fez isso. Dá a impressão de que estão faltando dados na história. Essa mulher conhecia Jesus? Tinha ofendido Cristo com alguma má palavra? Tinha sido advertida ou incentivada por Ele a mudar de vida? Recebera, como a mulher adúltera de que fala São João (Jo 8, 1-11), um olhar de compaixão ou uma palavra de estímulo para a conversão? Nada disso pode ser deduzido das páginas do Evangelho, pois nada é sequer insinuado. Deve haver, então, uma explicação que só pode emanar do encontro da graça de Deus com o íntimo do coração daquela pecadora.

Um fato evidente é que aquela mulher chora aos pés de Jesus como uma “devedora”. É assim que ela se sente, pois age como quem traz cravada na alma a dor de ter magoado, como quem quer compensar uma ofensa causada a alguém que merecia todo o amor. Tal é a atitude que o Evangelho descreve.

Não será aventurado imaginar que essa mulher, afundada no pecado e com a consciência queimando, um dia viu Jesus passar pela sua cidade. Movida de curiosidade, misturou-se com a multidão e pôde contemplá-lo e escutá-lo. Um estranho sentimento começou a invadi-la, um sentimento que ela própria não sabia explicar. Algo a impeliu a voltar a confundir-se com as turbas, entre os ouvintes do Mestre. Até que um dia sentiu uma pancada na alma. De repente, por um lance da graça, compreendeu: viu em Jesus, numa luz puríssima, o infinito, o inefável abismo da bondade de Deus e do seu amor pelos homens. E, de um golpe, desmoronou, desabou-lhe por dentro a triste armação de vaidades, prazeres e egoísmos que até então a tinham dominado, e percebeu a terrível miséria do seu pecado, a sua ingratidão para com Deus, o doador de todos os bens. Nesse dia chorou. E as lágrimas foram-lhe crescendo na alma, até explodirem numa resolução de amor reparador: na determinação de mostrar de algum modo, do melhor modo ao seu alcance, a sua pena e a sua mudança Àquele que, misteriosa mas realmente, encarnava a presença de Deus no meio dos homens.

Foi assim que pôde escutar as palavras do seu renascimento para uma nova vida: “Seus numerosos pecados lhe foram perdoados, porque ela muito amou” (Lc 7, 47). Feliz a alma que sabe reconhecer e chorar todas as suas misérias!, não com lágrimas de abatimento ou de perturbação, mas com lágrimas de contrição profunda que, em vez de encolhê-la no temor, a dilatam no amor penitente e a lançam nos braços de Deus com um coração rejuvenescido no amor e na dor [2].

Fonte: Padre Francisco Faus, adaptação de um trecho do livro Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens


[1] Cf. Caminho, n. 12

[2] Cf. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade divina, Ed. Carmelitanas, Porto 1967, & 310

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