Assembleia recebe a Palavra de Deus ou a Palavra de Deus recebe a assembleia? Gostaria de refletir um pouco sobre o Livro da Palavra de Deus na Liturgia e os ritos relacionados com ele.
Os principais livros litúrgicos para a Missa são o Lecionário, o Evangeliário, o Missal.
Desde as origens da Igreja fazem-se leituras bíblicas. Antes de se realizar a ação sacramental de Deus, a Igreja faz memória do mistério pascal através das leituras, seja do Antigo Testamento, dos Atos e das Cartas dos Apóstolos.
Nos primeiros tempos, as leituras eram feitas diretamente da Bíblia, com o passar dos tempos, os textos bíblicos lidos na Liturgia foram agrupados em diversos livros, sobressaindo o Lecionário e, mais tarde um pouco, o Evangeliário.
O livro tem grande significado na Bíblia do Antigo e do Novo Testamento, bem como na Liturgia da Igreja. A Bíblia é chamada “o livro da vida”; nele estão inscritos os nomes dos eleitos. Ela contém o plano de Deus da salvação. As Escrituras contêm a mensagem de Deus; é a palavra do próprio Deus.
No início de sua missão messiânica na sinagoga de Nazaré, Jesus abriu o livro que lhe foi alcançado e leu um trecho do profeta Isaías. Depois disse: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4,21).
No Novo Testamento, a Palavra se identifica com o próprio Verbo encarnado, Jesus Cristo. Ele é a Palavra. Diz o Concílio Vaticano II: “Ele (Cristo) “está presente pela sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na igreja” (SC 7).
As Escrituras são lidas e não proclamadas de cor. A Palavra de Deus na Liturgia deve ser ouvida, e não lida, cada um para si ou numa leitura comunitária. A Palavra de Deus na Liturgia constitui elemento ritual comemorativo dos mistérios celebrados. Ela tem caráter sacramental. A celebração da Palavra distingue-se dos grupos de reflexão e mesmo da leitura orante da Bíblia. Não se vai ouvir a Palavra de Deus para estudar, mas para viver a Bíblia.
A Palavra de Deus deve ser ouvida e acolhida nas virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade. Numa atitude de resposta, de conversão, acreditando que se trata de uma palavra, atual, viva e eficaz.
O Rito da Missa pede que na procissão de entrada se conduza solenemente o Evangeliário, não o Lecionário, logo após a cruz processional e seja colocado no centro do altar, significado que Cristo está presente no meio da assembleia celebrante tanto no altar como em sua Palavra. Cristo é o centro da celebração. Podemos dizer que Deus recebe, acolhe e constitui a assembleia celebrante através de sua Palavra simbolizada pelo Livro dos Evangelhos ou Evangeliário. Compreendido isso no seu significado mais profundo, não tem mais sentido que a assembleia antes do Rito da Palavra acolha a Palavra de Deus.
Nos anos depois do Concílio, não havia livros da Palavra de Deus para a Liturgia. As leituras eram feitas dos folhetos. O que acontecia? Acolhia-se solenemente a Bíblia e, em seguida, as leituras eram feitas dos folhetos. Total distorção! Hoje, tendo os livros da Palavra de Deus para a Liturgia, não tem mais sentido aquela acolhida da Palavra de Deus. A Palavra de Deus é que nos acolhe e nós, depois, na sua leitura, acolhemos a Palavra de Deus.
Esta acolhida no coração como terreno fértil acontece enquanto ela é lida e ouvida pelos fiéis. Possamos ser ouvintes atentos da Palavra de Deus lida na assembleia. Possamos acolhê-la e devolvê-la a Deus com frutos de boas obras. E que as leituras da Palavra de Deus sejam feitas dos Lecionários e do Evangeliário.
Fonte: Franciscanos – Especial Gotas de Liturgia /Frei Alberto Beckhäuser