Quem é Deus e como ele agirá com os maus governantes e os pobres, na inspiração de Sb 6,1-11?

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“Quando um ímpio, um abominável governa, o povo geme” (Pr 29,2).

 

Por Frei Jacir de Freitas Faria [1]

O texto sobre o qual vamos refletir é Sb 6,1-11. Trata-se da importância da sabedoria em nossa vida e da sua relação com os governantes e os pobres, seus súditos.

O livro da Sabedoria, escrito entre os anos 30 a.E.C. a 14 E.C., tem como público-alvo os judeus que viviam na Diáspora, isto é, fora da Palestina, no Egito, na próspera cidade de cultura grega, Alexandria, e, com especial destaque, os jovens judeus que estavam sendo preparados para assumir cargos de governança.

O grande desafio para os judeus de Alexandria era continuar vivendo a fé judaica no contexto da cultura e do pensamento gregos, os quais eram diferentes da visão judaica. O desafio do autor do livro, que é um judeu fascinado pela cultura grega, foi o de responder a três perguntas básicas: quem é Deus? quem sou eu? qual é o nosso futuro? Essas perguntas continuam sendo feitas por nós. Na maioria das vezes, ficamos na solidão das respostas.

A primeira pergunta parte do fato de que a multiplicidade de cultos e deuses gregos deixavam os judeus perdidos. A resposta encontrada foi a de que o nosso Deus é o Deus da vida que ama a todos, é misericordioso e universal, mas não tolera as injustiças. Dele vem o poder dado aos governantes (Sb 6,2), por isso vai punir, de forma implacável, os governantes injustos e corruptos (Sb 6,4-6), mas tratará com misericórdia os pobres governados por eles (Sb 6,6). “Deus, o dono de todos, não se intimida, a grandeza não o assusta. Ele criou o pobre e o rico e se preocupa igualmente com todos eles” (Sb 6,7).

Em relação à pergunta sobre quem sou eu, a resposta é que, diante da dualidade, isto é, da divisão entre corpo e alma do pensamento grego, nós somos um, uma unidade. Corpo e alma formam o nosso modo de ser. Não é possível salvar a alma, desprezando o corpo. Historicamente, a Igreja errou quando insistiu somente na salvação da alma, sem se preocupar com as injustiças sociais contra milhões de corpos empobrecidos.

À terceira pergunta sobre qual é o nosso futuro, a resposta foi a de que a nossa única certeza é a morte que vem para todos, mas que poderemos ser imortais em Deus, se praticarmos a justiça em vida, não sendo uma pessoa ou um governante opressor.

A imortalidade beatifica virá pela prática da justiça em vida. Para ser imortal é preciso estar em comunhão plena com Deus que se concretiza em uma vida terrena baseada na justiça (1,15). Somente assim é que o justo permanece vivo na história (4,1b; 8,13a). Portanto, os maus governantes serão punidos e desaparecerão para sempre, mas os pobres serão imortais na vida em Deus. Esse foi o grande segredo do livro da Sabedoria. Os primeiros cristãos logo entenderam que Jesus, sendo justo, foi considerado um maldito ao ser pregado na cruz, mas que não mereceu essa pena, pois era justo. Por isso, Deus o ressuscitou dos mortos e ele continua vivo no meio de nós. Vivendo o que ele nos ensinou, poderemos também receber o prêmio da imortalidade, a ressurreição.

Os governantes e todos nós devemos buscar sempre a sabedoria que é Deus. Os gregos se diziam amigos da sabedoria, daí o substantivo Filosofia. Já para os judeus a questão era ser amigo de Deus que tudo fez com sabedoria, que sempre esteve ao lado de seu povo na sua trajetória histórica de libertação. Deus é santo, único, constante e amigo dos seres humanos. Encontrar a sabedoria de viver é ser mais belo que o sol. A noite vem, mas pessoas sábias sempre encontrarão a luz do dia que renasce a cada amanhecer.

A sabedoria é um dom que Deus concede aos que a procura. Sendo única, tudo pode; permanecendo imutável, renova tudo (Sb 7,27). O grande segredo da vida sábia é saber que a vida é um eterno rodízio de coisas velhas que se tornam novas com o modo como as enfrentamos. É como alguém que, depois de longos anos de uma vida reclusa na depressão, redescobre o sabor da mata verde e da flor dos relacionamentos que a envolviam. Tudo muda quando decidimos recomeçar com sabedoria. Não há sofrimento que dure para sempre, quando decidimos recomeçar. Isso é sabedoria!

A busca pela Sabedoria (Deus) e por uma vida sábia é uma luta diária. Nem todos que chegam ao fim de uma vida, repletos de cabelos brancos, reflexos de uma vida envelhecida, pode ser considerado sábio. Poucos atingem o modo sábio de viver! E o sofrimento é grande quando um não sábio chega ao poder. É como diz um proverbio bíblico: “Quando um ímpio, um abominável governa, o povo geme” (Pr 29,2). Olhando para os políticos brasileiros, essa é a nossa triste realidade, na sua quase totalidade de governantes. Peçamos a Deus o dom da sabedoria para viver, ser justo e saber discernir o joio do trigo. Amém!

Fonte: Franciscanos


[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze. Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apocrifos.

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