O rico banqueteador e o pobre Lázaro
Por Frei Almir Guimarães
Mais uma das historietas de Jesus. Mais uma de suas parábolas. Um rico que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias. O pobre Lázaro estava à porta de sua casa e os cachorros lambiam-lhe as feridas. Duas vidas em total contraste. Lázaro, segundo alguns, teria com etimologia: “Meu Deus é ajuda”.
O homem que fazia festas todos os dias, o pobre que precisava do necessário para sobreviver. Terminados os dias de suas vidas, tiveram destinos opostos. O pobre estava no seio de Abraão. Vivia uma felicidade sem limites e o epulão sentiu o gosto amargo de ter fracassado. Um abismo separava estas duas trajetórias. A separação entre os que dispõem de tudo e os que nada possuem é abismo intransponível. Tal abismo se cavou por falta de fraternismo. Estamos, pois, diante de duas vidas muito diferentes. Um que tudo tem e não sabe o que fazer com o que tem e o outro que morre de inanição cheio de chagas purulentas.
Com toda certeza estamos diante de uma situação de indiferença. Diz José Antonio Pagola: “O rico não é julgado por ser explorador. Não se diz que é um ímpio afastado da Aliança. Simplesmente desfrutou sua riqueza ignorando o pobre. O pobre estava ali perto, mas ele não o viu. Estava junto ao portal de suas mansão, mas não se aproximou dele. Excluiu-o de sua vida. O pecado do rico é a indiferença” (Pagola, Lucas, p. 273). A indiferença acontece quando o outro está fora da organização de minha vida. A parábola está a nos dizer que precisamos ser mais humanos. Por aí começa tudo. Falar muito das coisas de Deus sem preocupação pelo humano não vale muito.
Observadores andando afirmando que cresce em nossa sociedade a apatia e a falta de sensibilidade para com o sofrimento alheio. Evitamos o contato direto com as pessoas que sofrem. Aos poucos vamos nos tornando incapazes de perceber sua aflição. O encontro com um criança mendiga ou com um doente terminal nos perturba. Não sabemos o que dizer. Não deixamos nos afetar. Somos indiferentes porque pensamos demais em nossas coisas.
O rico da parábola não tinha sensibilidade. As pessoas sensíveis percebem o anseio do outro através do olhar, do gaguejar da fala, do tremer do rosto. Usam os sentidos. Observam com atenção, escutam, têm um “faro” para aquilo que o outro está vivendo. O sensível sabe demonstrar afeto sem ser inoportuno. Isto faltou ao rico banqueteador. Sensibilidade e atenção caminham juntas. Atenção significa fazer inteiramente presente ao outro. Tem a ver com empatia e compaixão. Tentar experimentar o que o outro experimenta.
Trata-se de aproximar-se do que é frágil. Francisco de Assis é conhecido como o homem da pobreza. Ficava extasiado diante da humildade do Altíssimo que se fez dependência e viveu uma existência marcada pela pobreza. Por amor de Cristo, Francisco e seus companheiros optaram pelo caminho da pobreza e assim passaram a ver nos mais pobres imagens de Cristo. Estes deveriam, assim, ser tratados com toda deferência. “Contemplando o comportamento exemplar do Cristo encarnado é que Francisco haure seu amor preferencial pelos doentes e pobres. Compreendeu que Jesus, em cada um de nós, quer ainda se fazer o próximo mais próximo de todo homem sobretudo do marginalizado e excluído.
Quaisquer que sejam nossos empreendimentos, jamais podem abafar ou substituir nossa proximidade com as pessoas, com o povo, e absorver os irmãos apenas em sua operacionalidade. Empreendimentos não substituem o ser fraterno e a fraternidade, antes existem para visibilizá-los. Por isso, o primeiro grande esforço de nossa parte consiste não tanto em construir e criar instrumentos sofisticados de ajuda aos seres humanos, mas, por nossa presença de irmãos e irmãs, tentar gerar, entre todos, uma atmosfera de confiança em Deus e de fraternidade, solidariedade e partilha entre as pessoas. É o dom de nós próprios por muito e mais não termos (cf. Documento da Família Franciscana, Reviver o sonho de Francisco e Clara de Assis).
Oração
Senhor, tu és nossa luz.
Senhor, tu és a verdade.
Senhor, tu es nossa paz.
Querendo acompanhar-nos
te fizeste peregrino;
compartilhas nossa vida,
nos mostras o caminho.
Não basta rezar a ti,
dizendo que te amamos;
devemos imitar-te,
amar-te nos irmãos.
Tu pedes que tenhamos
humilde confiança;
teu amor saberá encher-nos
de vida e esperança.
Fonte: Franciscanos
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.