“É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação”. 2Cor 6,2
O versículo com o qual São Paulo se dirigiu aos Coríntios é, também nos dias de hoje, uma exortação à misericórdia de Deus. Não há tempo ruim para se lançar nos braços do Pai!
Preparemo-nos! Assim nos pede o Senhor: “voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus” (Jl 2,12s).
É desta maneira que iniciamos todos os anos o Tempo da Quaresma. Interessante observar que este caminho de 40 dias começa com a certeza da morte, da temporalidade da vida. É isso que nos diz a celebração da Quarta-feira de Cinzas: “Lembra-te de que és pó, e ao pó hás de voltar”.
É um convite, bem escancarado, à reflexão sobre a obviedade do que nos aguarda: a morte! E se a qualquer tempo ela pode nos furtar a vivacidade dos dias, por que ainda nos apegamos tanto ao que há de ficar para trás?
“Rasgai o coração, e não as vestes”. Há como ser mais direto?
Misericórdia, ó Senhor, pois pecamos
Eis o tempo favorável para dizer sim àquele convite, feito a cada Santa Missa, de bater no peito e se permitir assumir até no mais profundo: sou um(a) pecador(a)! “Eu reconheço toda a minha iniquidade, pratiquei o que é mau”.
Assim é que se começa o processo de conversão: assumindo os erros, reparando-os se for possível e, sobretudo, procurando a cada novo passo não mais pecar. E, havendo outras quedas, buscando se reconciliar com o Senhor (e com os irmãos) de coração aberto.
As cinzas, como sinal de humildade, recordam a cada um de nós a nossa origem e o nosso fim: fomos modelados pelo Senhor “com a argila do solo” (Gn 2,7) e é a este solo que nosso corpo retornará.
Neste “meio tempo”, entre a chegada e a partida definitiva, o trem costuma parar em algumas estações… Um passageiro mais atento aproveita para esticar as pernas, fugir do ar condicionado e observar a movimentação do lado de fora do vagão. Enquanto isso, há quem passe por todo o caminho entre um cochilo e outro, sem nunca ter vivido plenamente a viagem – até que a sirene, ou seriam os sinos(?), toquem.
Um percurso cíclico
De certo modo, o que vivemos é cíclico – ainda que nossa maneira de caminhar pareça nos levar em direção a uma reta, mesmo que pontuada por curvas.
As cinzas utilizadas na Quarta-feira vêm da queima dos ramos abençoados no Domingo de Ramos – aquele domingo que abre a Semana Maior.
E “num é” que tudo parece fazer sentido quando pensamos neste “círculo”?
A cada ano, dentro da liturgia, somos convidados a renovar nossos votos de fidelidade a Deus. No Tempo Quaresmal, em específico, o chamado chega a ser um tanto mais severo, exigindo de nós um compromisso muitas vezes ignorado nos outros tempos litúrgicos.
Boa parte dos cristãos católicos passa o ano inteiro sem se dar conta do que é jejum, abstinência e oração interior. No entanto, no despontar da Quaresma, mais precisamente na Quarta-feira de Cinzas, eis que a fênix parece ressurgir. A fênix dos preceitos, da esmola, da caridade, da conversão!
Serão 40 dias de uma “aventura” que, para além de qualquer desafio, poderá nos levar de volta aos trilhos. Aos trilhos de um Deus que é Pai, Filho e Espírito – pronto para nos regatar de nossos pecados, de nós mesmos. As cinzas abrem o ciclo de um novo ciclo que começará na Páscoa, na Ressurreição.
(Mas só é possível viver a Páscoa de Jesus, vivendo também o seu calvário. Não desanimemos. Afinal, a misericórdia de Deus também é cíclica. Ele nos carrega no colo do início ao fim da jornada. Partimos das cinzas em direção à vida eterna. E só há um jeito de chegar lá: voltando-nos totalmente a Ele).
Liliene Dante