Quaresma: Jesus vem abrir nossos olhos

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Frei Almir Guimarães

 

♦ Vai avançado nosso retiro quaresmal. Ouvimos, neste domingo, o belo e dramático relato da cura do cego de nascença. Tema da luz e da claridade. Esse Jesus que se dirige para Jerusalém é luz. Vem para ser claridade na vida dos homens, Filho do Pai que é luz inacessível. A epístola aos efésios, por sua vez, afirma que nós cristãos, como filhos da luz, caminhamos de claridade em claridade. Na primeira leitura, entre os filhos de Jessé, Samuel resolve ungir Davi, aquele que não tinha condições de ser escolhido por sua frágil aparência. As aparências podem enganar. Deus vê de modo diferente do olhar dos homens. Deus tem um olhar diferente do olhar dos mortais.

♦ No famoso relato de João, o cego não procura Jesus, nem Jesus está a buscá-lo. As coisas acontecem ao sabor das andanças do Senhor. Em seus deslocamentos o Mestre encontra pessoas: pescadores, cobradores de impostos, gente de certa importância, pecadores, cegos, coxos, homens, mulheres. Estabelece com uns e outros diferentes tipos de relacionamentos. É sempre no coração da vida que Jesus aproxima-se das pessoas. Os guias do povo complicam a vida com suas leis frias e sem alma. Jesus vê um cego e quer ilumina-lo.

♦ Neste episódio, Jesus está presente o tempo todo, só intervém, no entanto, no começo e no fim. A figura central é o próprio cego. Ele é testemunha da luz e, no final, será um pessoa gratíssima a Jesus que lhe abriu os olhos do rosto e fez com que ele fosse inundado por uma claridade de existir. Será missionário da luz. Evoca-se aqui o drama da história humana: trata-se de aceitar ou rejeitar a luz.

♦ Os circunstantes viam na cegueira do homem um castigo pelo pecados. O homem sofre duplamente. Não enxerga e os outros enxergam-no como um pecador e coberto com a sina do pecado cometidos por seus pais. Os discípulos de Jesus participam dessa crença. O Mestre rejeita esta interpretação. Jesus elimina o aspecto degradante de seu mal, restitui-lhe a dignidade e faz despontar um horizonte de aurora. O cego começa a se sentir livre. Alguém se interessa por ele.

♦ Nós somos o cego. Precisamos ver as trilhas a caminhar, as providências que precisamos tomar para sair do nevoeiro, para enxergar o sentido destas pernas e destes braços, desta vista e deste ouvido. Não queremos apenas olhar o que nos convém e o que serve para satisfazer nosso pequeno eu. Queremos poder enxergar o que está por detrás do rosto fechado dos que vivem perto de nós, ver para além da graça do corpo e do redondo dos bíceps, o que está para além da fala de um doente, ver para além das aparências, porque as aparências enganam. Jesus se apresenta ao cego como Messias como aquele que veio para que os que não veem vejam e os que veem se tornem cegos. Veio para espancar as trevas do legalismo, da indiferença. No final de todos os caminhos o cego haverá de der: “Creio que tu és o Messias”. No momento atual quais são as cegueiras que nos afetam?

♦ “O gesto terapêutico aplicado por Jesus ao cego, quando fez uma pasta de lama e a aplicou sobre seus olhos recorda o gesto com que Deus criou Adão, moldando-o do pó da terra. A recriação nada tem de mágico ou espiritualista, mas tem um valor humaníssimo, e conduz aquele que era apenas objeto de palavras e juízo de outros a tornar-se sujeito, a assumir a sua própria vida, a tomar a palavra e a reivindicar a sua identidade: “Sou eu”. Aquele “sou eu” é essencial para poder chegar a proclamar em liberdade e com convicção: “Eu creio”. Tornarmo-nos crentes não nos exime de nos tornarmos pessoas. Antes o exige” (Luciano Manicardi).

♦ O ser humano todo inteiro é chamado à luz em corpo e alma como bem exprime Paul Claudel:

“Acabe eu por completo de ser obscuro
Libertai todo o sol que há em mim
toda capacidade da vossa luz.
Possa eu ver-vos não apenas com os olhos,
mas com todo meu corpo e todo meu ser
com toda minha materialidade resplandecente e sonora.

“Eu vim a este mundo para fazer um novo julgamento: para que os que não viam, passem a ver, e os que viam, se tornem cegos”.


Oração

Quando meu pecado me desanimar,
ajuda-me a crer que tu não deixas
nunca de semear no barro de minha mediocridade.
Quando o sofrimento me deixa sem forças,
ajuda-me a crer que tu estás semeando em mim
uma secreta fecundidade.
Quando a morte próxima me causar medo,
ajuda-me a crer que o grão que morre
é semente de uma espiga dourada.
Quando a desgraça dos oprimidos me entristecer,
ajuda-me a crer que nosso amor solidário
é semente de justiça e liberdade.

Inspirada em Michel Hubaut

Fonte: Franciscanos


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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