Por Frei Almir Guimarães
Nós te pedimos hoje, Senhor, a ousadia de um gesto gratuito: nem que seja abrir uma janela; nem que seja reparar a ternura no rosto dos que nos rodeiam; nem que seja um frágil minuto de silêncio diante de tua imensidão.
José Tolentino Mendonça, “Um Deus que dança”, p. 107
Muitos passam pela vida indiferentes a tudo. Só tem olhos para o que serve a seus próprios interesses. Não se deixam surpreender por nada de gratuito, não se deixam amar ou abençoar por ninguém. Fechados em seu mundo, têm bastante trabalho em defender seu pequeno bem-estar cada vez mais triste e egoísta. De seu coração nunca brota o agradecimento.
Pagola, Lucas, p.291
♦ Estamos diante do tema da gratidão, do agradecimento. Parece urgente uma reflexão sobre o assunto. Nossos tempos não são afeitos à gratidão. Vivemos uma civilização mercantilista. As coisas de que precisamos nós as compramos com o dinheiro e assim estamos quites com todos. Damos, para receber e ponto final. Nada mais que comércio. Não queremos viver de favores e de dependência e tantos vínculos. Não desejamos precisar de ninguém. Não queremos depender de favores.
♦ Naamã, o sírio, curado da lepra desejava oferecer presentes a Eliseu que este não aceitou. Sua ação foi gratuita. O sírio, em sinal de alegria grata, quer levar terra do país, quantidade que dois jumentos pudessem carregar, como sinal de gratidão pela cura. O doente samaritano curado voltou para agradecer a cura. E Jesus: “Onde estão os outros?”
♦ Gratidão, reconhecimento pelo bem que nos é feito, sentimento nobre que se expressa por gestos e palavras a convicção de que outros andam nos ajudando a viver. Fazem-no a partir de uma fonte de bondade que jorra de seu interior, a partir de uma urgência que experimentam de não serem apenas seres interesseiros.
♦ Louvado seja o Senhor, fonte do amor bondoso. Somos alvo desse amor. Ele nos criou e nos colocou na vida para que pudéssemos empreender a peregrinação por entre vales e montanhas, sentindo o perfume das flores e ouvindo a música da vida. Quis que fossemos homem e mulher, quis nos amar, nos quis. Louvado e glorificado seja o nosso grande benfeitor. Somos e pobres tudo ganhamos do grande Benfeitor.
♦ Gratidão diante do mistério de Cristo. “Já não vos chamo de servos mas de amigos”. Ele vem, vem sussurrar palavras de amor, mostrar um horizonte de vida em plenitude, vem ensinar-nos a arte da felicidade, da alegria, mesmo nos desafios da “perfeita alegria”. Vem para ser o doador da vida. “Minha vida ninguém me tira. Eu a dou livremente”. Nossas eucaristias não consistem em ritos monótonos, mas em prece de louvor ao Pai pela vida de Jesus. A Eucaristia é precisamente prece de ação de graças. Como vemos a missa? Como a vivemos? “Isto é meu corpo, meu sangue… façam isso para celebrar a minha memória.” Explosão de alegria e de reconhecimento no dia do Sol, o domingo. “Não vos chamo de servos, mas de amigos!”
♦ Em torno à mesa, membros de uma família, pessoas de coração reto, agradecem ao Senhor o escondidinho de carne, o suflê de legumes, a mousse de maracujá, os alimentos que refazem suas forças. Deus belo colocou vida na terra e permitiu que tivéssemos, o pão de cada dia, “fruto da terra e do trabalho humano”. Nada mais normal do que uma oração de agradecimento.
♦ Indubitavelmente experimentamos gratidão pelas pessoas que nos trataram com dedicação e esmero: os pais que tivemos, os professores da escola primária e de outras etapas do estudo, os vizinhos que nos ensinaram a viver com sua postura e seus comportamentos, aqueles que nos acolheram e nos ajudaram em situações delicadas. Nossos benfeitores estarão sempre escutando nosso: “Muito obrigado”.
♦ Agradeceremos de modo especial pessoas que, com habilidade e competência, nos mostraram o caminho de Deus, pessoas que com seu testemunho e garra nos ensinaram a buscar a Deus, a rezar, a ter gosto pelas coisas do Evangelho, aos sacerdotes que deixaram transparecer nas celebrações fagulhas de esperança. Sobretudo pessoas que nos fizeram livres de nossos pequenos interesses.
♦ Na vida de todos os dias, pessoas remuneradas nos prestam serviços os mais variados: balconistas nos atendem, médicos nos examinam, motoristas de táxi ou de coletivos nos levam de um lado para o outro, caixas dos supermercados nos apresentam a conta de não sei quantos itens. Fazem sua obrigação, é certo. Mas são pessoas humanas, felizes ou descontentes com a vida, sadios ou doentes, normais ou “especiais”. São vidas e histórias que estão a nosso serviço. Mesmo sendo remunerados não custa nada que escutem nossa gratidão expressa num “muito obrigado”.
Texto para a reflexão
♦ O primeiro dom que recebemos, o mais básico, o mais valioso, o mais fundamental é o dom da vida. Jamais poderemos pagar por ele àqueles que nos proporcionaram. Sempre estaremos em dívida, pois, ainda que queiramos, não teremos a capacidade de criar quem nos criou, nem estender sua vida indefinidamente, ou dar-lhe outra após ter deixado este mundo. O dom vida é material e imaterial, porque inclui um corpo, mas também um espírito e uma enormidade de capacidades que, com o tempo, vão tomando corpo e forma (Francesc Torralba).
Oração
Graças
Graças, Senhor, pela vida,
Graças por cada um de nós
e por nosso mútuo bem querer.
Graças porque juntos buscamos a Ti.
Graças porque nos deste a vida e a fé.
Graças por termos descoberto
o pobre que nos lembra Jesus
que não tinha nem uma pedra para reclinar a cabeça.
Graças pelo carinho da avó
e pela caixa de bombons do padrinho.
Graças pelos que nos ajudaram
a ver as coisas com um olhar de bondade.
Graças pelos corajosos que dizem a verdade
e ajudam a construir um mundo tecido de bondade.
Graças, Senhor, por teu olhar e pela vida.
Fonte: Franciscanos
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.