Por Dom Antonio de Assis Ribeiro
Bispo auxiliar de Belém (PA)
A pandemia da COVID-19 ainda permanece entre nós promovendo centenas de milhares de mortes no Brasil e milhões no mundo; enquanto isso, novos dramas se abatem sobre a humanidade como a guerra na Ucrânia, conflitos sanguinários no Oriente médio, atentados terroristas, terremoto na Turquia e na Síria. No Brasil nos envergonharam o ataque violento ao patrimônio material dos três poderes em Brasília, sinal de radical negação do sentimento patriótico e de cidadania; e nos últimos dias veio à tona o drama vivido pelos índios Yanomami. Outra realidade de grave sofrimento que abalou a humanidade, pois informações e imagens dessa tragédia humanitária chegaram em todos os continentes.
Tudo somado, temos um cenário mundial de sofrimento em todas as dimensões causando medo, gritos de dor, pavor, lamento, desespero e a morte de milhões de pessoas! De onde vem tudo isso? De um lado, temos o mistério da manifestação da “fúria” da natureza contra a humanidade (o coronavírus, os terremotos) e, do outro lado, a maldade do homem contra seus próprios irmãos. Certo é que entre violentados, mortos e feridos, estão culpados e inocentes. Também os violentos são vítimas fatais da própria irracionalidade.
Toda essa realidade que, continuamente a humanidade está vivendo, deve nos chamar a atenção para a nossa postura diante dela. Uma pergunta de fundamental importância é esta: “O que sinto e qual é a minha atitude diante do sofrimento alheio?” Não importa onde esteja o epicentro da desgraça e do sofrimento, quem está na condição de sanidade mental recebe sempre um íntimo impacto com o gemido do outro e o sangue derramado.
O filósofo judeu Emanuel Levinás (1906-1995) profundamente humanista, em uma de suas obras nos alerta dizendo que a morte do outro não nos deixa na indiferença; isso é um chamado à primazia da ética, da nossa natural responsabilidade pelo outro. Com a morte de cada ser humano, desaparece um universo mental, afetivo, social, espiritual…
Por causa da significatividade deles, o sofrimento e a morte devem ser sempre objeto de reflexão da nossa parte porque são realidades enigmáticas que nos envolvem por inteiro, em todas as fases da vida, e sujeitos de todas as condições socioculturais, econômicas e religiosas. Ninguém escapa do sofrimento e nem da dor, por isso, afirmou o famoso escritor irlandês Clive Staples Lewis (1898-1963): “O sofrimento é o megafone de Deus para um mundo ensurdecido”. Num mundo marcado pela indiferença o sofrimento nos choca, nos chama à atenção e nos provoca a sair do nosso egoísmo e da hibernação insensível.
Afinal qual é a sua atitude diante do sofrimento alheio? Recordemos uma frase de Jó, personagem da Bíblia; estando doente, prostrado, sofrendo, lhe aparecem três amigos que, em vez de consolá-lo, o acusam buscando justificar seu sofrimento. Jó, indignado, responde-lhes: “Piedade, piedade de mim, meus amigos, pois a mão de Deus me feriu! Por que me perseguis como Deus, e não vos cansais de me torturar?” (Jó 19,21-22).
O sofrimento é um grito divino nos convocando para a piedade, compaixão, cuidado, solidariedade, caridade, proteção, ternura! O sofrimento nos chama à atenção para a nossa condição de criaturas, marcada pela pequenez, fragilidade, vulnerabilidade, dependência, insuficiência, debilidade! E o que evitar? Evitar a indiferença, a dureza, a crueldade, a revolta, a perda da fé, o esvaziamento da esperança, o charlatanismo proselitista que explora o sofredor! Sempre nos fará bem orar, consolar, estimular a esperança, dar força, ser presença solidária, fazer silêncio, meditar, manter a firmeza de ânimo! Onde há sofrimento, temos a oportunidade do exercício da nossa bondade.
Fonte: CNBB