Prudência: decisão

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1 – A etapa “definitiva” da prudência

 

Até aqui acompanhamos dois elementos necessários para a virtude da prudência: a reflexão (não agir sem antes ter pensado devidamente) e o juízo (ter julgado ponderadamente acerca dos valores e dos meios a empregar). São dois passos importantes da prudência: conforme o caso, podem ser praticados em poucos segundos, em horas, ou em dias e até mesmo em anos. Mas são necessários para o momento decisivo, que é a hora de agir com prudência, a “hora da verdade”.

Neste sentido, Santo Tomás ensina que «ato principal» da prudência é «comandar, que consiste em aplicar o conhecimento ao desejo e à ação»[1]. Comandar é determinar-se a agir. Por isso, Josef Pieper pode afirmar que a prudência é «a perfeita capacidade de decisão em função da realidade»[2].

Essa decisão leva o processo da prudência à perfeição. Por isso se diz que a prudência é a virtude característica do governante. «Onde se encontra uma razão especial de direção e de comando nos atos humanos, haverá também uma razão especial de prudência… Por isso de considera a ciência de governo uma espécie de prudência»[3]

Vale a pena meditar sobre isso porque frequentemente se cometem graves imprudências por faltas de decisão (no governo da família, de qualquer comunidade, de um país, etc.).

Vejamos algumas modalidades do vício da “indecisão”. Todas elas, evidentemente, são manifestações de fraqueza moral

A hesitação

A vida não é um jogo matemático, no qual todos os elementos e variáveis possam se meter numa tabela ou num computador para obter o resultado infalível.

Não sei se leu ou ouviu dizer que um computador sofisticado da IBM, o Deep blue, acabou vencendo, em 1997, Garry Kasparov, talvez o maior enxadrista de todos os tempos.

Acontece, porém, que não existe o computador do namoro, nem o computador da fidelidade conjugal, nem o computador do amor ao próximo, nem o da vocação cristã,  nem sequer o do sucesso de uma missão política ou militar, ou de uma simples microempresa comercial.

Se esse computador existisse, muito teria ajudado Flora,  a jovem do romance Esaú e Jacó de Machado de Assis. Flora, a eterna hesitante, morreu sem se haver decidido por nenhum dos dois gêmeos, Pedro ou Paulo, que a cortejavam. Pela sua fraqueza de caráter, se morresse aos noventa anos, seria enterrada ainda indecisa.

Com perdão pela comparação, pessoas assim vivem uma história análoga à experiência feita por alguns biólogos há tempos: encerrar um cachorro em um cubículo em frente a duas tigelas atulhadas de boa comida, uma à direita e outra à esquerda. Que aconteceu? Diante dos dois banquetes tentadores, o cão morreu de fome antes de engolir um bocado. São as pessoas do famoso «nem sim nem não, antes muito pelo contrário».

Às vezes custa decidir, porque isso significa inevitavelmente excluir. Se você decide casar-se com tal pessoa, exclui todas as outras. Aquele que decide alistar-se como voluntário na força de paz da ONU exclui continuar na tranquilidade do lar.  Não se pode jogar baralho mantendo todas as cartas na mão. Algumas delas, por vezes a maioria, têm que ser descartada

O medo

Outras vezes, para nos decidirmos a algo que valha a pena, precisamos ultrapassar a barreira do medo.

─ Medo de que não dê certo. Medo dos imprevistos. Medo das dificuldades. Medo de não ser capaz. Se você não vencer esse medo, nunca fará nada.

decisão exige “lançar-se” a fazer, sabendo que nada na vida está absolutamente garantido e sempre podem surgir surpresas ou imprevistos. Sem essa coragem de começar, de empreender, de arriscar, nunca faríamos nada que valesse a pena… e nem sequer enfrentaríamos as dificuldades do cotidiano. Não iríamos de carro, porque poderia haver um acidente, não desceríamos uma escada porque poderíamos escorregar e quebrar o pescoço…

Shakespeare mostra-nos Hamlet monologando sobre a sua própria reflexão indecisa: ele reconhece que se dedica a «pensar nas consequências com excessiva minúcia», e acaba confessando: «Reflexão esta que, de quatro partes, tem uma só de prudência e sempre três de covardia»[4].

Aos que se sintam indecisos por esse tipo de medos, aconselharia ler os relatos das diversas viagens de Amyr Klink. Impressiona a seriedade – a prudência! – com que preparou em cada caso o barco, os alimentos, as rotas, o clima, o estudo das correntes marítimas, as experiências dos exploradores mais qualificados, e tantos detalhes mais.

Quando chegou a hora em que, com tudo suficientemente preparado, tinha que partir, partiu. E não recuou no meio da travessia. Assim se inscreveu entre os grandes dessas aventuras imortais (Amundsen, Shackleton…). Bem conhecidos são alguns conselhos dele, que são verdadeiras máximas de prudência:

─ «Para se chegar, onde quer que seja, é preciso, antes de mais nada, querer».

─ «O pior naufrágio é não partir».

Medite também estas outras considerações de São Josemaria:

«Pela prudência, o homem é audaz, sem insensatez. Não evita, por ocultas razões de comodismo, o esforço necessário […]. Não atua com tresloucada precipitação ou com absurda temeridade, mas assume o risco das suas decisões e não renuncia a conseguir o bem por medo de não acertar»[5].

O falso querer

A prudência pode perder-se pela fragilidade do querer. É o caso das pessoas que querem, dizem que querem, mas falta-lhes caráter e convicção.

Tranquilizam a consciência pensando que, na verdade, “estão querendo sinceramente” (dedicar-se muito mais aos filhos, preparar um concurso difícil, assumir um compromisso de serviço à comunidade, resolver longas dúvidas sobre a vocação), mas na realidade não querem, só “gostariam de”…

São os que alguém chamava “os suicidas do condicional”. “Eu gostaria muito de recomeçar a minha vida cristã: assisti a um filme sobre padre Pio e chorei”, “Eu gostaria tanto de fazer juntamente com a esposa um curso de orientação familiar do IOF, me falaram que é ótimo… Vamos ver se no ano que vem vai dar, quem sabe…”.

Mil desculpas de pura moleza ou preguiça levam a não resolver. Os desejos matam o preguiçoso, diz o Livro dos Provérbios (21, 25). Morre no pântano do condicional.

Para esses São Josemaria escrevia: «Um querer sem querer é o teu… – Não queiras iludir-te dizendo-me que és fraco. És … covarde, o que não é o mesmo» (Caminho, n.714).

Em contraste com os moles inoperantes, penso em Santa Teresa de Ávila. Uma mulher de fraca saúde e com uma vida cheia de incompreensões, perseguições e obstáculos aparentemente invencíveis. Tinha orado, meditado e se aconselhado muito; por isso estava certa do que Deus lhe pedia. E em poucos anos realizou – com a fundação de um grande número de mosteiros de carmelitas descalças – o que raríssimos homens e mulheres de empresa conseguem durante a vida[6]. Um trabalho, um serviço, que continua a dar frutos vigorosos e saborosos em todo o mundo.

A importância de um querer sincero  atinge o grau máximo quando se trata de decisões das quais depende o sentido profundo da existência (o ideal, a fé, a vocação cristã, a fidelidade, o amor, a família).

Pensando nisso, peço-lhe que medite devagar (sinceramente!) este ponto de Caminho:  «Dizes que sim, que queres. – Está bem. – Mas… queres como um avaro quer o seu ouro, como uma mãe quer ao seu filho, como um ambicioso quer as honras, ou como um pobre sensual quer o seu prazer? – Não? Então não queres» (n. 316).

Fonte: Padre Francisco Faus

[1] II-II, q. 47, 8 c

[2] Obra citada, p. 44

[3] Santo Tomás, Suma Teológica II-II, 50, 1 c

[4] Hamlet, príncipe da Dinamarca, ato quarto, terceira cena.

[5]  Amigos de Deus, n. 88

[6] Ver Livro da vida e As Fundações. Ed. Paulus, São Paulo

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