Por Frei José Carlos Pedroso, OFMCap
Quando chegou o tempo da manifestação do Reino, Deus mandou um anjo a uma virgem de Nazaré. Hoje, cada um dos substantivos desta frase evoca tanta experiência de cultura que, embora saibamos que estamos diante de grandes mistérios de Deus, podemos não ter uma perspectiva muito clara: Deus resolveu começar tudo com uma mulher, jovem, solteira, pobre, noiva de um carpinteiro, moradora de um vilarejo tão miserável que nem constava dos possíveis mapas de Israel.
Era tudo que se podia imaginar de secundário e inferior na cultura do tempo: uma criatura para a qual nenhum poderoso iria olhar. Mas o Deus da Bíblia trabalha, com predileção, justamente com o pobre, o pequeno, o fraco, o desprezado. Seu Filho seria o filho dessa mulher, uma mulher pobre numa aldeia no fim do mundo. Os auxiliares imediatos de seu Filho seriam pescadores por quem ninguém daria nada. Entravam na linha dos “anawin”, os pobres de Deus do Antigo Testamento.
É fundamental entendermos esse sentido de ser virgem: não pertencer a ninguém, não contar nada como elemento constituinte do povo, não ser de nada. É disso que Deus precisa para começar a fazer um contemplativo, porque é dessa massa que Ele faz um Cristo.
Essa pobreza, esse nada da Mãe de Jesus é importante na contemplação de Francisco e Clara, que aí fundamentaram toda sua vida de recolhimento e de ação. Ser pobre de tudo para ser rico de Deus, como Maria, era seu grande sonho, a realização de sua alegria.
Celano conta que Francisco… “celebrava com incrível alegria, mais que todas as outras solenidades, o Natal do Menino Jesus, pois afirmava que era a festa das festas, em que Deus, feito um menino pobrezinho, dependeu de peitos humanos… Queria que nesse dia os pobres e os esfomeados fossem saciados pelos ricos, que se concedesse uma ração maior e mais feno para os bois e os burros… Não podia recordar sem chorar toda a penúria de que esteve cercada nesse dia a pobrezinha da Virgem.
Francisco achava que Maria dava maior valor à pobreza evangélica de seu Filho que a qualquer outra coisa. Quando lhe pediram para conservar parte dos bens dos noviços para a acolhida dos frades de passagem, respondeu: “Se não houver outro meio de atender aos indigentes, despe o altar da Virgem e tira os seus ornatos. Podes crer que é melhor guardar o Evangelho de seu Filho e despojar o altar do que deixar o altar ornado e seu Filho desprezado. O Senhor mandara que alguém restitua à sua Mãe o que ela nos tiver emprestado”
Para ele, Maria era uma pobre tão unida à pobreza de Jesus que enviou esta exortação a Clara e suas irmãs: “Eu, frei Francisco pequenino, quero seguir a vida e a pobreza do altíssimo Senhor nosso Jesus Cristo e da sua santíssima Mãe, e nela perseverar até o fim. E rogo a vós, minhas senhoras, e vos aconselho a viver sempre nesta santíssima vida e pobreza. E guardai-vos muito bem de afastar-vos jamais dela de modo algum por ensino ou conselho de alguém” .
Clara pensava do mesmo jeito e fez a mesma associação muitas vezes. Colocou em sua Regra essa “vontade” de Francisco, e ainda a terminou com o desejo de que ela e as irmãs observassem “sempre a pobreza e a humildade de nosso Senhor Jesus Cristo e da sua santíssima Mãe”. E também une Mãe e Filho na redenção: Medita sem cansar o mistério da cruz e as dores da Mãe em pé junto à cruz”.
Francisco amava os pobres porque neles contemplava Jesus e Maria: “Quando vês um pobre, meu irmão, tens à frente um espelho do Senhor e de sua pobre Mãe. Também nos doentes deves ver as enfermidades que ele assumiu por nossa causa!”.
E Clara concordava: “E por amor do santíssimo e diletíssimo Menino, envolto em fraldas e reclinado no presépio, e de sua santíssima Mãe, admoesto, suplico calorosamente e exorto as minhas irmãs a vestir sempre roupas vis”.
Fonte: Franciscanos
(Extraído do livro “Olhos do Espírito”, de Frei José Carlos Pedroso, OFMCap, Edições Loyola)