Na homilia, o Papa fala do espírito que deve animar a missão dos cardeais: abertura a todos os povos da terra e atenção aos pequenos aqueles que são grandes diante de Deus. Os nomes dos novos cardeais foram anunciados pelo Papa da janela do Palácio Apostólico durante o Angelus de 29 de maio, e obedeceu os critérios da internacionalidade e a predileção pelas “periferias”. Pela primeira vez, 4 países estão representados: Mongólia, Paraguai, Cingapura e Timor Leste.
Na tarde deste sábado, 27 de agosto, o Papa Francisco presidiu o oitavo Consistório de seu pontificado, criando 20 novos cardeais, dos quais 16 têm menos de oitenta anos, portanto, eleitores em um futuro Conclave, e quatro não eleitores, por terem ultrapassado o limite de idade. Entre os novos cardeais, o arcebispo de Timor Leste, Dom Virgílio do Carmo da Silva; o arcebispo de Brasília, Dom Paulo Cezar Costa e o arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Steiner.
Também foi votada a causa de canonização de dois beatos: João Batista Scalabrini, bispo de Piacenza, fundador da Congregação dos Missionários de São Carlos e da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo, mais conhecidos como Scalabrinianos, e Artêmides Zatti, leigo professo dos Salesianos.
A celebração começou com o canto Tu es Petrus e o agradecimento do primeiro cardeal da lista, Dom Arthur Rocha, prefeito da Congregação para o Culto Divino. Em seguida, o Papa pronunciou a fórmula para a criação dos novos purpurados, que juraram fidelidade e obediência ao Pontífice e seus sucessores “até o derramamento de sangue”. Um a um eles se aproximaram da sede do Papa para receber os símbolos do cardinalato de joelhos: solidéu vermelho, barrete, anel, a bula com a atribuição do Título/Diaconia. Todos receberam o abraço da paz de Francisco, um gesto repetido logo depois pelo cardeal decano, o primeiro dos cardeais presbíteros e o primeiro dos diáconos, representando todo o Colégio dos Cardeais.
Eis o pronunciamento do Papa Francisco:
“Esta frase de Jesus, bem no centro do Evangelho de Lucas, atinge-nos como uma flecha: “Vim lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso!” (Lc 12, 49).
No caminho com os discípulos para Jerusalém, o Senhor faz um anúncio em estilo profético típico, usando duas imagens: o fogo e o batismo (cf. Lc 12, 49-50). O fogo deve trazê-lo ao mundo; o batismo terá que recebê-lo Ele mesmo. Tomo apenas a imagem do fogo, que aqui é a chama poderosa do Espírito de Deus, é o próprio Deus como “fogo devorador” (Dt 4, 24; Hb 12, 29), Amor apaixonado que purifica, regenera e transfigura tudo. Este fogo – como aliás também o “batismo” – revela-se plenamente no mistério pascal de Cristo, quando Ele, como coluna ardente, abre o caminho da vida através do mar escuro do pecado e da morte.
No entanto, há também outro fogo, o das brasas. Encontramo-lo em João, no relato da terceira e última aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos, no lago da Galileia (cf. Jo 21, 9-14). Este pequeno fogo foi aceso pelo próprio Jesus, perto da praia, enquanto os discípulos estavam nos barcos e puxavam a rede cheia de peixes. E Simão Pedro chegou primeiro, nadando, cheio de alegria (cf. Jo 21, 7). O fogo do carvão é suave, escondido, mas dura muito tempo e é usado para cozinhar. E ali, na margem do lago, ele cria um ambiente familiar onde os discípulos desfrutam, maravilhados e emocionados, a intimidade com seu Senhor.
Nos fará bem, queridos irmãos e irmãs, neste dia, meditarmos juntos a partir da imagem do fogo, em sua dupla forma; e à sua luz rezar pelos Cardeais, de modo particular por vós, que nesta mesma celebração recebeis esta dignidade e tarefa.
Com as palavras registradas no Evangelho de Lucas, o Senhor chama-nos novamente a colocarmo-nos atrás dele, a segui-lo no caminho de sua missão. Uma missão de fogo – como a de Elias -, tanto pelo que veio fazer como pela forma como o fez. E para nós, que na Igreja fomos tirados do meio do povo para um especial ministério de serviço, é como se Jesus entregasse a tocha acesa, dizendo: Tomai, “como o Pai me enviou, eu também vos envio ” (Jo 20, 21). Assim, o Senhor quer comunicar-nos a sua coragem apostólica, o seu zelo pela salvação de cada ser humano, sem excluir ninguém. Ele quer comunicar-nos a sua magnanimidade, o seu amor sem limites, sem reservas, sem condições, porque a misericórdia do Pai arde no seu coração. É o que arde no coração de Jesus: a misericórdia do Pai. E dentro deste fogo há também a misteriosa tensão, própria da missão de Cristo, entre a fidelidade ao seu povo, à terra das promessas, àqueles que o Pai lhe deu e, ao mesmo tempo, a abertura a todos os povos – aquela tensão universal – ao horizonte do mundo, às periferias ainda desconhecidas.
Este fogo poderoso é o que anima o apóstolo Paulo no seu serviço incansável ao Evangelho, na sua “corrida missionária” guiada, sempre impulsionada pelo Espírito e pela Palavra. É também o fogo de tantos missionários que experimentaram a cansativa e doce alegria de evangelizar, e cuja própria vida se tornou evangelho, porque acima de tudo foram testemunhas.
Este, irmãos e irmãs, é o fogo que Jesus veio “lançar sobre a terra”, e que o Espírito Santo acende também no coração, nas mãos e nos pés daqueles que o seguem. O fogo de jesus, o fogo que traz Jesus.
Depois há o outro fogo, o das brasas. O Senhor também quer comunicar isso a nós, para que, como Ele, com mansidão, fidelidade, proximidade e ternura – este é o estilo de Deus: proximidade, compaixão, ternura – possamos fazer com que muitos gozem da presença de Jesus vivo no meio de nós. Uma presença tão evidente, mesmo no mistério, que não há necessidade de perguntar: “Quem és?”, porque o próprio coração diz que é Ele, é o Senhor. Este fogo arde de modo particular na oração de adoração, quando estamos em silêncio perto da Eucaristia e saboreamos a presença humilde, discreta, oculta do Senhor, como um fogo de brasas, de tal modo que esta própria presença se torna alimento para a nossa vida quotidiana.
O fogo das brasas faz-nos pensar, por exemplo, em São Carlos de Foucauld, na sua longa permanência num ambiente não cristão, na solidão do deserto, centrando tudo na presença: a presença de Jesus vivo, na Palavra e na Eucaristia, e a sua própria presença fraterna, amiga e caridosa. Mas também nos faz pensar naqueles irmãos e irmãs que vivem a consagração secular no mundo, alimentando o fogo baixo e duradouro no local de trabalho, nas relações interpessoais, nas reuniões das pequenas fraternidades; ou, como sacerdotes, num ministério perseverante e generoso, sem colocar-se em evidência, entre o povo da paróquia.
Um pároco de três paróquias, aqui na Itália, me diiza que tinha muito trabalho. “Mas tu és capaz de visitar todas as pessoas?”, eu disse. “Sim, eu conheço todas!” – “Mas tu sabes o nome de todos?” – “Sim, até os nomes dos cães das famílias”. Este é o fogo brando que traz o apostolado à luz de Jesus
E mais, acaso não é o fogo das brasas que todos os dias aquece a vida de tantos esposos cristãos? A santidade conjugal! Reavivado com uma oração simples, “caseira”, com gestos e olhares de ternura, e com o amor que acompanha pacientemente as crianças no seu caminho de crescimento. E não esqueçamos o fogo das brasas que é mantido pelos idosos – são um tesouro, tesouro da Igreja – o lar da memória, tanto na família como na esfera social e civil. Como é importante este braseiro dos mais velhos! Famílias se reúnem em torno dele; permite que possamos ler o presente à luz das experiências passadas e façamos escolhas sábias.
Caros irmãos Cardeais, na luz e no poder deste fogo caminha o Povo santo e fiel, do qual fomos tirados nós, daquele povo de Deus, e ao qual fomos enviados como ministros de Cristo Senhor. O que esse fogo duplo de Jesus, , o fogo ardente e o fogo brando, diz em particular a vós e a mim? Penso que nos recorde que um homem de zelo apostólico é animado pelo fogo do Espírito para cuidar corajosamente das coisas grandes e pequenas, pois “non coerceri a maximo, contineri tamen a minimo, divinum est”. Não se esqueçam: isso traz São Tomás na Prima Primae. Non coerceri a maximo: ter grandes horizontes e grande desejo de coisas grandes; contineri tamen a minimo, é divino, divinum est.
Um Cardeal ama a Igreja, sempre com o mesmo fogo espiritual, tanto nas grandes questões como nas pequenas; tanto no encontro com os grandes deste mundo, como com os pequenos, que são grandes diante de Deus. Estou a pensar, por exemplo, no Cardeal Casaroli, justamente famoso pelo seu olhar aberto para apoiar, com diálogo sábio, os novos horizontes da Europa depois da “Guerra Fria” – e Deus não permita que a miopia humana volte a fechar aqueles horizontes que ele abriu! Mas, aos olhos de Deus, são igualmente valiosas as visitas que ele fazia regularmente aos jovens detidos em uma prisão juvenil em Roma, onde era chamado de “Dom Agostino”. Fazia a grande diplomacia – o martírio da paciência, assim era a sua vida – junto à sua visita semanal a Casal del marmo, com os jovens. E quantos exemplos desse tipo poderiam ser dados! Lembro-me do Cardeal Van Thuân, chamado a pastorear o Povo de Deus em outro cenário crucial do século XX, e ao mesmo tempo animado pelo fogo do amor de Cristo para cuidar da alma do carcereiro que vigiava a porta da sua cela. Essas pessoas não tinham medo do “grande”, do “máximo”; mas também tomavam o “pequeno” de cada dia. Depois de um encontro em que o Cardeal Casaroli havia informado São João Paulo II de sua última missão – não sei se na Eslováquia ou na República Tcheca, um desses países, falava-se de alta política -, e quando o Papa estava saindo o chamou e disse: “Ah, Eminência, uma coisa: você continua indo naqueles jovens prisioneiros?” – “Sim” – “Nunca os abandone!” A grande diplomacia e a pequena coisa pastoral. Este é o coração de um padre, o coração de um Cardeal.
Queridos irmãos e irmãs, voltemos com o olhar para Jesus: só Ele conhece o segredo desta humilde magnanimidade, desta força branda, desta universalidade atenta ao detalhe. O segredo do fogo de Deus, que desce do céu, iluminando-o de um extremo ao outro e que cozinha lentamente a comida das famílias pobres, dos migrantes ou dos sem-abrigo. Jesus quer lançar este fogo sobre a terra também hoje; ele quer acendê-lo novamente nas margens das nossas histórias diárias. Ele chama-nos pelo nome, cada um de nós, nos chama pelo nome: não somos um número; olha-nos nos olhos e pergunta a cada um: tu, novo cardeal – e todos vocês, novos cardeais – posso contar contigo?” Aquela pergunta do Senhor.
E não quero acabar sem uma recordação do cardeal Richard Kuuia Baawobr, bispo de Wa, que ontem, ao chegar a Roma, passou mal e foi hospitalizado por um problema cardíaco e, creio, fizeram uma operação, algo do gênero. Rezemos por este irmão que deveria estar aqui e está hospitalizado. Obrigado.
Vatican News