Os “pobres no espírito”

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Pe. Johan Konings

 

A insistente pregação de Jesus e da Igreja em favor dos pobres incomoda certas pessoas. Nas Bem-Aventuranças segundo Mt (evangelho), Jesus felicita os “pobres no espírito”. Por que “no espírito”? Talvez não sejam os materialmente pobres? É possível ser pobre no espírito e rico materialmente?

Já no Antigo Testamento (1ª leitura), Deus mostra que seu favor não depende de poder e riqueza. Ele prefere os que praticam a justiça, ainda que pobres: os “pobres do Senhor”. Isso era difícil entender para os antigos israelitas, que – como muita gente hoje – viam na riqueza uma prova do favor de Deus.

Jesus, no evangelho, anuncia o Reino de Deus, como dom e missão, aos que têm esse espírito dos “pobres de Deus”: os que não pretendem dominar os outros pelo poder e a riqueza, mas se dispõem a colaborar na construção do reino de amor, justiça e paz, tomando-se pobres, colocando-se do lado dos pobres e confiando antes de tudo no poder de Deus e no valor de sua “justiça”, que é a sua vontade, seu plano de salvação. Os “pobres de Deus” assumem atitudes inspiradas por Deus e seu reino: pobreza (não apenas forçosa, mas no espírito e no coração), paciência (com firmeza), justiça (com garra), paz (na sinceridade) etc. Aos que vivem assim, Jesus anuncia a felicidade (“bem-aventurança”) do reino. Esses são os cidadãos do reino, os herdeiros da terra prometida. E, de fato, o “manso”, o não-violento tem bem mais condições de usar a terra que o grileiro. Os pobres solidários constroem uma sociedade melhor que os ricos egoístas. Há quem diga que as Bem-Aventuranças não visam os pobres materialmente, porque esses não podem ser os “promotores da paz” aos quais se refere a sétima bem-aventurança (Mt 5,9). Mas será que a verdadeira paz, fruto da justiça, não é promovida pelos pobres e os que em solidariedade com eles lutam pelo direito de todos?

O apóstolo Paulo ensina que Deus escolheu os pobres e os simples para envergonhar os que se acham importantes (2ª leitura). Deus é quem tem a última palavra. Demonstrou isso em Jesus, morto e ressuscitado. Demonstrou isso também em Paulo, que abandonou seu status de judeu e fariseu, para se tornar desprezado, seguidor de Jesus. Não pela posição e pelo poder, mas pelo despojamento radical é que Paulo se tomou participante da obra de Cristo.

Devemos optar, na vida, pelos valores do Reino e não pelo poder baseado na opressão, na exploração … Devemos optar pelos pobres e não pelos que os empobrecem! Para isso precisamos de desprendimento, pobreza até no nosso íntimo (“no espírito”). A bem-aventurança não vale para pobre com mania de rico! Os pobres no espírito são os que não apenas “quereriam”, mas efetivamente querem e optam por formar “povo de Deus” com os oprimidos e empobrecidos, porque têm fome e sede do Reino de Deus e sua justiça.

Fonte: Franciscanos


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

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