Os desafios de quem precisa viver num mundo que sabe tão pouco sobre o TEA – a realidade itabirana diante do Transtorno do Espectro Autista

Conforme divulgado na primeira reportagem, estima-se que 1% da população mundial tenha algum dos Transtornos do Espectro Autista, segundo a Organização das Nações Unidas. Dois 2 milhões só no Brasil. No entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apresenta a proporção de 1 em cada 160 crianças.

Mas o que é e como se caracteriza este transtorno?

“O TEA se refere a uma série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem, e por uma gama estreita de interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma repetitiva. Começa na infância e tende a persistir na adolescência e na idade adulta. Na maioria dos casos, as condições são aparentes durante os primeiros cinco anos de vida” (OMS).

Trazendo essa informação para a realidade de Luísa, as primeiras observações sobre o seu “comportamento”, diante de algumas situações, demonstraram a preocupação particular em separar, por exemplo, os objetos por cores e tamanhos; não respondia aos chamados – o que levou a família a procurar um profissional que descartou problemas auditivos; resistência às mudanças na rotina, como a troca de uniforme, professor e sala de aula na “escolinha”; transtornos na linguagem – com 3 anos, Luísa ainda está em processo de construção da fala.

Uma grande dificuldade enfrentada pelo casal Rejane Perucci e Adriano Oliveira Duarte foi conseguir um profissional capaz de diagnosticar Luísa, sobretudo porque não há exames laboratoriais ou de imagem que auxiliem na identificação do autismo. Depois das tentativas em Itabira, conseguiram a indicação de um psiquiatra infantil especializado em TEA. Além de clinicar em Belo Horizonte, foi preciso esperar 5 meses para conseguir uma consulta particular com o médico.

A carência de especialistas em transtornos do espectro autista é o primeiro desafio que muitos pais têm que enfrentar. Cada indivíduo é um universo de particularidades. Há relatos de mulheres que só foram diagnosticadas na fase adulta. O diagnóstico para as meninas é ainda mais difícil, sobretudo nos quadros considerados de transtornos leves.

Passada essa fase, começa a procura pelos tratamentos, que são essenciais para o desenvolvimento ideal da criança, principalmente na primeira infância. As intervenções psicossociais, focadas no tratamento comportamental e estímulo às habilidades pessoais, podem facilitar e ajudar na comunicação e interação social.

Aninha, Luísa e Laura

A estagiária em pedagogia, Ana Lucya Freitas Ferreira (Aninha), que acompanha Luísa em sala de aula no Colégio Nossa Senhora das Dores e em casa (durante a pandemia, de segunda a sexta; no período escolar, duas vezes por semana), atesta como o suporte terapêutico faz diferença na caminhada diária da criança. Aninha cita, por exemplo, as dificuldades que Luísa tinha para interagir com as outras crianças em sala, para exprimir o que desejava, às vezes, brigando com os coleguinhas, pegando os brinquedos sem pedir. Aos 3 aninhos, Luísa já consegue se expressar melhor, sabe esperar a vez numa brincadeira, mostrar o que deseja; consegue manter “o foco” numa determinada atividade.

Enfim: passos importantes que só foram possíveis com a ajuda de vários profissionais: terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo, pedagogo, psiquiatra. Some-se a isso, os estímulos diários que Luísa recebe da própria família.

Tempo de qualidade com os filhos

Não é incomum, sobretudo na atualidade, ver pais que depositam boa parte da “educação” dos filhos na escola regular, na “mão” dos professores(as), tirando de si a responsabilidade pelo desenvolvimento integral da criança e seu posicionamento no mundo. Ou, em se tratando ainda de crianças que exigem outras atenções, acabam deixando os estímulos exclusivamente para os profissionais da área médica.

Na contramão do que é uma realidade para muitas crianças e adolescentes, caminham os pais de Luísa e Laura – atuantes e dedicados, assumiram o verdadeiro desafio de serem pai e mãe das duas filhas.

Muito mais do que recursos financeiros para estimular Luísa, Rejane conta com uma série de brinquedos educativos feitos e organizados por ela: “Compramos uma máquina para plastificar o material que encontro na internet e imprimo” – diz ela.

São dezenas de possibilidades para interagir com a filha, estar ao lado dela brincando e estimulando. Brinquedinhos que qualquer um de nós pode fazer em casa, com tampinhas de pet, papelão e folhas de “chamequinho”.

Uso da criatividade: material comum e muitas cores

 

“Com esse aqui a Lulu cria sua própria historinha. Colocando os personagens e outros objetos” – a frase é de uma mãe que conhece as potencialidades e as dificuldades da filha e não abre mão de ajudá-la numa e noutra coisa.

Rejane: mostrando o material que usa para estimular Luísa a construir suas próprias histórias. A atividade foi impressa por Rejane e plastificada.

 

O papel de cada profissional envolvido no desenvolvimento de uma criança autista é essencial, mas sem a participação e envolvimento dos pais, quebra-se o que todos nós entendemos por família – que é o cuidado, o zelo, o orgulho por cada conquista.

A realidade em Itabira

Assim como no mundo, o número de casos de pessoas com algum tipo de Transtorno do Espectro Autista em Itabira é incerto.

Na rede pública de saúde, estão registrados 74 usuários com TEA, inseridos na Escola/APAE e/ou ambulatório do SERDI/APAE. Em dezembro de 2019, estavam na fila de espera para atendimento 24 pessoas com diagnóstico para TEA e outros 4 casos suspeitos. Os casos suspeitos são encaminhados para um neurologista.

O acompanhamento dos casos no município é realizado pelo Serviço Especializado de Reabilitação em Deficiência Intelectua (SERDI), sendo executado, por meio de convênio com o SUS, pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).

Entre os serviços oferecidos pela rede pública, estão: fisioterapia, nutrição, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia e assistência social – conforme necessidade clínica de cada usuário que ainda tem direito a uma consulta ao mês, com médico especialista, em parceria com a Unimed/Itabira.

As informações foram repassadas por Lauana Matosinho Silva, Coordenadora de Gestão em Saúde. Ainda segundo Lauana, os desafios em relação ao TEA são muitos, sobretudo no que diz respeito ao diagnóstico, uma vez que há várias especificidades em relação ao autismo. Além disso, os números oficiais do município não contabilizam os casos cujos atendimentos são realizados pelos serviços particulares de saúde e/ou via planos.

Para Rejane Perucci uma das grandes carências no município é a ausência de uma clínica com atendimento multidisciplinar para casos específicos de TEA. Durante a semana (antes da pandemia), várias são as idas e vindas de Rejane e do marido Adriano para levarem Luísa aos diferentes profissionais e locais de atendimento.

É uma batalha a ser vencida diariamente!

 

Liliene Dante

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