Por Pe. Johan Konings
“Se Deus só serve para deixar tudo como está, não precisamos dele”; palavra de uma agente de educação popular. O Deus que é apenas o arquiteto do universo, mas fica impassível diante da injustiça dos habitantes de sua arquitetura, não tem relevância alguma. O cristianismo serve ou não para mudar as estruturas da sociedade? São Paulo tinha um amigo, Filêmon.
Este – como todos os ricos de seu tempo – tinha escravos, que eram como se fossem as máquinas de hoje. Um dos escravos, sabendo que Paulo tinha sido preso, fugiu de Filêmon para ajudar Paulo na prisão. Paulo o batizou (“o fez nascer para Cristo”).
Depois mandou-o de volta a Filêmon, recomendando que este o acolhesse, não como escravo, mas como irmão… Mais: como se ele fosse o próprio Paulo (2ª leitura).
Essa história é emocionante, mas nos deixa insatisfeitos. Por que Paulo não exigiu que o escravo fosse libertado, em vez de acolhido como irmão, continuando como escravo? Aliás, a mesma pergunta surge ao ler outros textos do Novo Testamento (1 Cor 7,21; 1Pd 2,18). Por que o Novo Testamento não condena a escravidão?
A humanidade leva tempo para tomar consciência de certas incoerências, e mais tempo ainda para encontrar-lhes remédio. A escravidão, naquele tempo, era uma forma de compensação de dívidas contraídas ou de uma guerra perdida. Imagine que se resolvesse desse jeito a dívida externa do Brasil! Seríamos todos vendidos (se já não é o caso…) Antigamente (?), a escravidão fazia parte da estrutura econômica. Na Idade Média, com os numerosos raptos praticados pelos piratas mouros, surgiram ordens religiosas para resgatar os escravos, até tomando o lugar deles. Mas ainda na época moderna, a Igreja foi conivente com a escravidão dos negros. A consciência moral cresce devagar, e mudar alguma coisa nas estruturas é mais demorado ainda, porque depende da consciência e das possibilidades históricas. As estruturas manifestam só aos poucos sua injustiça, e então leva séculos para transformá-las.
Porém, a lição de Paulo é que, não obstante essa lentidão histórica, devemos viver já como irmãos, vivenciando um espírito novo, que vai muito além das estruturas vigentes e que – como uma bomba-relógio – fará explodir, cedo ou tarde, a estrutura injusta. Novas formas de convivência social, voluntariados dos mais diversos tipos, organismos não -governamentais, pastorais junto aos excluídos – a criatividade cristã pode inventar mil maneiras para viver aquilo que as estruturas só irão assimilar muito depois.
Fonte: Franciscanos
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.