O professor Alfieri explicou que a hérnia incisional que causou dor em Francisco é consequência de cirurgias anteriores. No livro de Nelson Castro, o próprio Francisco relembra esses episódios.
Enquanto o Santo Padre continua hospitalizado na Policlínica Gemelli de Roma, o Dr. Sergio Alfieri, cirurgião que operou o Papa pela segunda vez, explicou aos jornalistas na última quarta-feira, 7, a origem da “hérnia incisional e aderências”, que causavam incômodo e fortes dores ao Papa Francisco: “Trata-se de uma consequência das cicatrizes de operações cirúrgicas anteriores e anos passados”. E acrescentou que “ele havia sido operado, na Argentina de peritonite, uma inflamação da vesícula biliar gangrenosa”, sobre a qual já existia uma hérnia”. O médico falou ainda sobre a existência de uma cirurgia mais antiga, “um cisto de equinococose”, operação feita no pulmão, cuja cicatriz torácica não está diretamente relacionada com os problemas recentes de saúde do Papa, mas que contribuiu para alterar a dinâmica funcional da parede abdominal.
Operações anteriores
Até hoje, Jorge Mario Bergoglio passou por quatro cirurgias: uma quando era seminarista, em 1957, outra quando era sacerdote na Argentina, 1980, e duas como Papa, no Hospital Gemelli de Roma: a primeira, em julho de 2021, para extrair uma pequena parte do intestino, com divertículos, e a segunda na última quarta-feira. Das palavras do cirurgião se apreende que a “hérnia incisional” (uma hérnia que se forma sobre a cicatriz de uma operação anterior e aumentando o tamanho pode apresentar encarceramento ou estrangulamento, causando várias complicações) não tinha relação com a operação de dois anos atrás, feita em outra parte do intestino, mas sim com cirurgias anteriores.
Primeira operação (1957)
A primeira delas, em 1957, foi feita para extrair “cistos de equinococose” do pulmão do jovem Bergoglio. No recente livro “A saúde dos Papas” (edições Piemme), o médico e jornalista Nelson Castro entrevistou Francisco sobre sua história clínica. Assim recorda o Papa aquele episódio ocorrido quando tinha vinte e um anos: “Era agosto de 1957. Eu estava no segundo ano do Seminário de Villa Devoto. Naquele inverno, uma forte epidemia de gripe se espalhou e muitos seminaristas foram infectados. Eu também. Mas de fato, no meu caso, a situação evoluiu de uma forma mais complicada. Enquanto meus companheiros se recuperavam em poucos dias, sem sequelas, continuei apresentando um estado febril persistente”.
Jorge Mario foi levado ao hospital Sírio-Libanês, onde o Dr. Zorraquín, conhecido pneumologista, identificou três cistos no lobo superior do pulmão direito. Havia também um derrame pleural que estava causando dor e dificuldade para respirar. Após meses de terapia para tirar os derrames, o médico decide operar para retirar um pedaço do pulmão.
“Foi uma intervenção importante – conta o Papa Francisco -. A cicatriz da incisão cirúrgica que fizeram vai da base até o vértice do hemitórax direito. A operação foi cruel. Disseram-me que operavam com um retractot… e que tinha sido necessário usar muita força. Por isso, quando me recuperei da anestesia, senti muita dor. O pós-operatório também foi doloroso. Foi mantido um dreno conectado a uma cânula de pressão negativa, para que, ao abri-la, fosse gerado um efeito de sucção. Isso me dava muita dor, assim como as lavagens com ampolas de soro fisiológico que o cirurgião me dava todas as manhãs durante as medicações. Essas foram as partes mais difíceis. Minha mãe e meu pai estavam muito tristes e ansiosos. Toda vez que mamãe vinha ao hospital, ela me abraçava e começava a chorar.”
A cirurgia foi um sucesso perfeito e Bergoglio não sofre nenhuma consequência. “Nunca senti cansaço nem falta de ar – revela o Papa na entrevista publicada no livro de Nelson Castro -. Os médicos me explicaram que o pulmão direito havia se expandido para ocupar todo o hemitórax ipsilateral. A expansão foi tão completa que, se não me é informado com antecedência a respeito, somente um pneumologista de primeira linha consegue identificar a ausência do lobo excisado.”
Como será lembrado, essa mesma cirurgia pulmonar foi discutida no último dia do Conclave de março de 2013, quando os purpurados se questionaram sobre a saúde do arcebispo de Buenos Aires. O cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga, então arcebispo de Tegucigalpa, o contou publicamente, que, ao ouvir os rumores, foi pedir contas ao interessado.
Segunda operação (1980)
A operação de que falava o professor Alfieri, citando-a como a origem da hérnia incisional, é mais recente, e é aquela a que Bergoglio fou submetido há mais de 40 anos, na vesícula biliar, em 1980. Mais uma vez deixamos a palavra ao protagonista, que assim conta sobre o ocorrido no livro editado por Nelson Castro:
“Aconteceu quando eu era superior provincial dos jesuítas. Era hora do almoço e eu estava passando a sopa. De repente tive uma dor aguda e muito forte nas costas, que me imobilizou. Por um momento, foi impossível para mim me mover. Tive que interromper a tarefa que estava fazendo e me sentar. Dada a dor que sentia, tomei um calmante. Acreditava tratar-se de um problema muscular. Mas, de fato, as horas passaram e a dor não diminuiu. Resolvi ir ao médico. Quem me consultou fez uma série de análises para verificar principalmente a vesícula e os rins. A princípio não revelaram nada de anormal. Pensou-se que poderia ser pedras nos rins ou na vesícula, mas os testes deram negativo para essas patologias. Como a dor persistia, o médico resolveu me encaminhar para um cirurgião que, após ter me examinado, solicitou uma colecistografia para uma avaliação mais aprofundada. Infelizmente foi necessário suspender o exame porque no meio tive uma reação alérgica ao iodo. Esse fato e a persistência do quadro clínico levaram o cirurgião a me informar que era necessário operar com urgência. E não se limitou a isso: acrescentou tratar-se de uma operação arriscada porque não sabia o que iria encontrar depois de abrir o abdômen”.
“Eu entendi que a gravidade da situação – continua Francisco – não deixava alternativas. Então eu disse a ele para prosseguir. Naquele momento, confiei-me a Deus, que me ajudou a enfrentar aquela operação com absoluta serenidade. Então soube que a cirurgia tinha sido muito difícil e arriscada, e que o que eu tinha era gangrena da vesícula, que felizmente havia sido detectada a tempo. “Mais um dia e seu estado teria se tornado extremamente grave”, explicou-me o cirurgião. Felizmente, o pós-operatório decorreu sem complicações e recuperei totalmente”.
Cirurgião da segunda operação do Papa
O cirurgião que operou Bergoglio na época é o Dr. Juan Carlos Parodi, que mais tarde ficou conhecido na comunidade científica internacional na área de cirurgia cardiovascular. O professor Parodi explicou: “Naquela época, a regra era que grandes operações fossem acompanhadas de grandes incisões. Ainda não havia surgido a era da cirurgia laparoscópica. Então fiz uma incisão da parte superior do abdômen até a virilha… Depois de uma exploração laboriosa, chegamos à origem do problema: um cálculo alojado no ducto cístico. Com muito cuidado, então, retirei toda a vesícula biliar, cujas paredes estavam tensas e duras, e depois de ter terminado a remoção e ter me certificado de que não havia pedras em outras áreas da via biliar, comecei a terminar de remover as aderências no intestino e a limpar toda a cavidade abdominal, tarefa que exigiu mais de uma hora. Completado isso, a cirurgia foi concluída. Fizemos uma sutura reforçada, a chamada sutura de “colchão”, para garantir o fechamento da ferida, e deixamos duas drenagens. Foi uma operação grande e arriscada. Felizmente não houve complicações pós-operatórias.
Em abril de 2014, Parodi estava em Londres para uma conferência médica quando recebeu a notícia de que Francisco havia lhe concedido uma audiência privada. “Assim que ele entrou no Santa Marta radiante – disse o médico logo após o encontro – ele me disse: ‘Juan Carlos, você é idêntico a como era quando o vi naquela noite em que senti que estava morrendo, e você me salvou a vida. Jamais esquecerei seu rosto, porque assim que o vi, comecei a me sentir melhor”.
Fonte: Vatican News