O tempo da criação 2024

Foto de James Wainscoat na Unsplash

Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ) 

 

“Esperança e agir com a Criação”
“Que a Justiça e a Paz Fluam”(Amós 5, 24)
01 de setembro a 04 de outubro

O Tempo da Criação 2024 traz como tema central “Que a Justiça e a Paz Fluam“, inspirado pela urgência de se cultivar uma relação justa e harmônica entre o ser humano e a Terra. Celebrado anualmente de 1º de setembro a 4 de outubro, essa iniciativa global ecumênica busca unir cristãos de todo o mundo em oração, reflexão e ação pelo cuidado da criação. Neste ano, a temática enfatiza a interconexão entre justiça ambiental, paz e o bem-estar integral das comunidades humanas e do planeta, destacando a responsabilidade coletiva de promover a reconciliação entre a humanidade e o meio ambiente. 

O conceito de justiça ambiental é central para o tema de 2024, sublinhando que os impactos da degradação ambiental são sentidos de maneira desproporcional pelas populações mais pobres e vulneráveis. A crise climática, a destruição de ecossistemas e o esgotamento de recursos naturais afetam principalmente aqueles que têm menos capacidade de se adaptar ou de mitigar esses efeitos, como as comunidades indígenas, camponesas e as que vivem em áreas periféricas urbanas. 

O tema “Que a Justiça e a Paz Fluam” nos chama a reconhecer essa desigualdade e a trabalhar pela justiça climática, uma vez que as mudanças climáticas favorecem o aumento das desigualdades sociais. A justiça ambiental, neste contexto, envolve a proposta por ações que garantam que os benefícios dos recursos naturais e das tecnologias limpas sejam distribuídos de maneira justa. Significa também acenar as grandes corporações e sistemas econômicos que colocam o lucro acima do bem comum, explorando o meio ambiente e prejudicando os mais vulneráveis. 

O Papa Francisco, em sua encíclica Laudato Si, reforça a noção de que “Não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, proteger a natureza.” (LS 139). Para que a justiça flua, é necessário um compromisso com o combate às estruturas de pecado que perpetuam a desigualdade e a exploração, tanto dos recursos naturais quanto das populações humanas. O Tempo da Criação 2024 propõe uma reflexão crítica sobre o nosso papel nesse sistema e nos convoca a tomar decisões mais conscientes e justas. 

O tema de 2024 também nos convida a refletir sobre a paz, não apenas como ausência de conflitos armados, mas como uma realidade muito mais profunda que depende da harmonia entre o ser humano e a natureza. São Francisco de Assis, cujo dia é celebrado no encerramento do Tempo da Criação, é uma inspiração para essa visão integral da paz, em que todos os elementos da criação vivem em equilíbrio e respeito mútuo. A paz flui quando a justiça é estabelecida, e quando há equilíbrio entre o uso dos recursos e o respeito à dignidade de todas as criaturas. 

A paz com a criação envolve também uma transformação espiritual. Na encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco destaca que Não haverá paz sem um empenho real e eficaz para combater a pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra e de casa. Não haverá paz sem fazer desaparecer as formas de marginalização e exclusão, e respeitar a dignidade de todas as pessoas.”  (FT 127). A paz e a justiça caminham juntas, e a paz ambiental não pode ser alcançada sem um compromisso ativo com a justiça social e ecológica. 

O Tempo da Criação 2024 nos desafia a entender que o conflito com o meio ambiente é uma manifestação de um conflito mais amplo entre as nações, as pessoas e as suas relações com a Terra. A paz duradoura depende de uma abordagem que reconheça a interdependência de todas as criaturas e busque restaurar as relações quebradas entre a humanidade e a natureza. A destruição ambiental não só ameaça a sobrevivência do planeta, mas também gera tensões sociais, como migrações forçadas, insegurança alimentar e conflitos por recursos, que são consequências diretas das mudanças climáticas e da degradação ambiental. 

O tema do Tempo da Criação 2024 evoca a imagem poderosa de um rio que flui com justiça e paz. Essa metáfora, inspirada nas palavras do profeta Amós – “Corra o juízo como as águas e a justiça como um rio perene” (Am 5,24) – sugere um movimento constante e vigoroso em direção à restauração e à reconciliação. Assim como um rio, a justiça e a paz devem fluir, transformando tudo o que tocam e trazendo vida nova à criação. 

O rio simboliza, também, a esperança de regeneração. Em várias culturas e tradições religiosas, os rios são vistos como fontes de vida, purificação e renovação. No contexto do Tempo da Criação, o rio que flui com justiça e paz representa a esperança de um futuro em que a humanidade viva em harmonia com a natureza, respeitando os limites da criação e promovendo o bem comum. Este tema nos lembra que nossa ação deve ser contínua e resiliente, como a correnteza de um rio, superando obstáculos e promovendo vida em todas as suas formas. 

 No Tempo da Criação 2024, somos chamados a fazer fluir a justiça e a paz através de ações concretas em nossas comunidades, como o plantio de árvores, a redução do consumo de plástico, o apoio a políticas de energia limpa e o engajamento em iniciativas de solidariedade social e ambiental. 

Este tempo é uma oportunidade única para as comunidades cristãs de todo o mundo se unirem em torno de um objetivo comum: o cuidado da casa comum. Este tempo de oração e ação pelo meio ambiente é profundamente ecumênico, reunindo igrejas e tradições cristãs de diferentes denominações, como católicos, ortodoxos, protestantes e anglicanos. Essa diversidade enriquece a reflexão sobre a criação e fortalece a resposta coletiva aos desafios globais que enfrentamos. 

Em 2024, o tema “Que a Justiça e a Paz Fluam” convida a comunidade cristã global a reforçar sua colaboração na promoção da justiça climática, na defesa dos direitos dos povos indígenas e na proteção dos ecossistemas ameaçados. Essa união ecumênica também reflete o desejo de construir pontes de diálogo e solidariedade entre as diferentes tradições de fé e com a sociedade em geral, reconhecendo que o cuidado com a criação é uma responsabilidade comum a toda a humanidade. 

Somos convidados a uma profunda reflexão sobre o nosso papel como cuidadores da criação e promotores de justiça e paz. Temos o desafio de agir com coragem e determinação, unindo nossas vozes e esforços para garantir que a justiça climática seja alcançada e que todas as formas de vida na Terra possam florescer em harmonia. Que neste Tempo da Criação, possamos nos unir como comunidade global e cristã, permitindo que a justiça e a paz fluam como um rio abundante, trazendo vida, esperança e renovação para toda a criação. 

Fonte: CNBB

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