O Papa Francisco concluiu a sua 36ª Viagem Apostólica Internacional, que o levou a Malta encontrando-se e rezando com os migrantes acolhidos no Centro “João XXIII Peace Lab”, em Hal Far. O evento foi dedicado à hospitalidade, um dos temas centrais desta viagem apostólica.
O Papa se reuniu com duzentos migrantes no pequeno teatro do Peace Lab (Laboratório da Paz) dedicado a São João XXIII em Hal Far. O Laboratório da Paz foi fundado em 1971 pelo franciscano padre Dionysus Mintoff e atualmente acolhe 55 pessoas entre os últimos migrantes, os rejeitados, os sem documentos, provenientes principalmente do Mali, Eritréia, Etiópia, Guiné e Senegal.
Este centro “nasceu com o primeiro barco que chegou com estes refugiados”. Quando eles chegaram, não havia lugar para essas pessoas”, explica Padre Dionísio, de 91 anos. Agora “damos acolhida a esses jovens”. Eles dormem aqui. Eles comem aqui. Eles têm uma escola e há uma clínica.
O encontro com o Papa deste domingo viu o grande entusiasmo dos presentes que também contou com a presença de migrantes de outros centros de acolhida e de migrantes agora integrados na comunidade maltesa. O Papa “é a única voz no mundo que fala pelos pobres”, enfatizou padre Dionysus, “precisamos que outras nações escutem suas palavras”.
Depois de ouvir as palavras de acolhida do padre Dionysus e o testemunho de dois migrantes, Daniel e Siriman, o Papa Francisco iniciou agradecendo pelos testemunhos recordando que eles foram porta-vozes de tantos irmãos e irmãs, obrigados a deixar a pátria para procurar um refúgio seguro.
E acrescentou: “como dizia há alguns meses em Lesbos, «estou aqui para que vocês se certifiquem da minha proximidade (…), para contemplar os seus rostos, para ver vocês, olhos nos olhos».
Depois de pedir novamente aos malteses que tratem sempre com benevolência, como fizeram com o Apóstolo Paulo, aqueles que desembarcam nas suas costas, sendo verdadeiramente para eles um «porto seguro», recordou que nestes anos, a experiência do naufrágio foi vivida por milhares de homens, mulheres e crianças no Mediterrâneo. E, infelizmente, revelou-se trágica para muitos deles.
Francisco sublinhou que ontem mesmo, foi divulgada a notícia de um resgate ao largo da costa da Líbia de apenas quatro migrantes de um barco que continha cerca de noventa. Rezemos por esses nossos irmãos que encontraram a morte em nosso Mar Mediterrâneo.
Mas há outro naufrágio que se consuma ao mesmo tempo que acontecem estes fatos: é o naufrágio da civilização, que ameaça não só os deslocados, mas a todos nós.
E Francisco fez uma pergunta: como podemos salvar-nos deste naufrágio que ameaça afundar o navio da nossa civilização?
“Comportando-nos com humanidade: olhar as pessoas, não como números, mas pelo que são (como nos disse Siriman), isto é, rostos, histórias, simplesmente homens e mulheres, irmãos e irmãs. E pensando que, no lugar daquela pessoa numa barcaça ou no mar que vejo na televisão ou numa fotografia, no lugar dela poderia estar eu, o meu filho ou a minha filha… Talvez mesmo neste momento, enquanto aqui nos encontramos, haja barcaças que estão a atravessar o mar de sul a norte! Rezemos por estes irmãos e irmãs que arriscam a vida no mar à procura de esperança”.
O Santo Padre disse que as histórias deles fazem pensar em outras de milhares e milhares de pessoas que, nos dias passados, foram obrigadas a fugir da Ucrânia por causa da guerra, uma guerra injusta e selvagem; mas também nas histórias de muitos outros homens e mulheres que, à procura de um lugar seguro, tiveram de deixar a própria casa e nação na Ásia, na África e nas Américas. Penso nos Rohingya , disse o Papa, em todos eles e, por eles, ofereço neste momento a minha oração.
Francisco confidenciou que há algum tempo recebeu, deste Centro, outro testemunho: a história de um jovem que contava o doloroso momento em que tivera de deixar a sua mãe e a sua família de origem. Aquilo comoveu-me e fez-me pensar, disse o Papa.
“Mas também você, Daniel, e você, Siriman, e cada um de vocês viveu esta experiência de partir desprendendo-se das suas raízes. É uma separação. Uma separação que deixa marcas. E não se trata de um sofrimento momentâneo, emotivo; deixa uma ferida profunda no caminho de crescimento dum jovem, duma jovem. Será preciso tempo para curar esta ferida; é preciso tempo e sobretudo são precisas experiências ricas em humanidade: encontrar pessoas acolhedoras que saibam ouvir, compreender, acompanhar; e também estar junto com outros companheiros de viagem para compartilhar, carregar o peso juntos… Isto ajuda a curar as feridas”.
O Papa disse então referindo-se aos centros de acolhimento… “Como é importante que sejam lugares de humanidade! Sabemos que é difícil, há tantos fatores que alimentam tensões e rigidez. E todavia, em cada continente, há pessoas e comunidades que aceitam o desafio, cientes de que a realidade das migrações é um sinal dos tempos no qual está em jogo a civilização. E para nós, cristãos, está em jogo também a fidelidade ao Evangelho de Jesus, que disse: «Era forasteiro e Me recolhestes» (Mt 25, 35).
Em seguida o Papa expressou um sonho seu: “Que vocês, migrantes, depois de terem experimentado um acolhimento rico em humanidade e fraternidade, possam se tornar pessoalmente testemunhas e animadores de acolhimento e fraternidade. Aqui e onde Deus quiser, onde a Providência guiar os seus passos. Este é o sonho que desejo partilhar com vocês e coloco nas mãos de Deus, porque o que é impossível para nós, não o é para Ele”.
O Santo Padre considera muito importante que, no mundo atual, os migrantes se tornem testemunhas dos valores humanos essenciais para uma vida digna e fraterna. Uma vez curada a ferida da separação, do desenraizamento, podem fazer emergir a riqueza que trazem dentro de cada um, um patrimônio de humanidade preciosíssimo, e colocá-la em comum com as comunidades onde são acolhidos e nos ambientes onde vos inseris. Este é o caminho, disse Francisco: “O caminho da fraternidade e da amizade social. Aqui está o futuro da família humana, em um mundo globalizado”.
Francisco ainda respondendo ao testemunho de Siriman, que teve de deixar o próprio país e que sonha com a liberdade e a democracia, disse que este sonho colide com uma realidade dura, frequentemente perigosa, por vezes terrível, desumana.
“Você deu voz ao apelo sufocado de milhões de migrantes cujos direitos fundamentais são violados, até às vezes, infelizmente, com a cumplicidade das autoridades competentes. E é assim é, e é assim que eu quero dizer: infelizmente às vezes com a cumplicidade das autoridades competentes. E chamou a atenção para o ponto – chave: a dignidade da pessoa. Repito-o agora valendo-me das suas palavras: vocês não são números, mas pessoas de carne e osso, rostos, sonhos por vezes destroçados.
Pode-se e deve-se recomeçar daqui continuou o Papa: das pessoas e da sua dignidade. Não nos deixemos enganar por aqueles que dizem: «Não há nada a fazer», «são problemas maiores do que nós», «eu penso na minha vida e os outros que se arranjem». Não; não vamos cair nesta armadilha. Vamos responder ao desafio dos migrantes e refugiados com o estilo da humanidade, acendamos fogueiras de fraternidade à volta das quais as pessoas se possam aquecer, reanimar, reacender a esperança.
E já que este Centro é intitulado ao Papa São João XXIII, Francisco recordou o que ele escreveu no final da sua memorável Encíclica sobre a Paz: «Afaste [o Senhor] dos corações dos homens quanto pode pôr em perigo a paz e os transforme a todos em testemunhos da verdade, da justiça e do amor fraterno» (Pacem in terris, 171).
Antes de concluir o encontro o Papa acendeu junto com alguns dos migrantes uma vela diante da imagem de Nossa Senhora. Um gesto simples, mas com um grande significado. Na tradição cristã, disse Francisco, aquela pequena chama é símbolo da fé em Deus e é também símbolo da esperança, uma esperança que Maria, nossa Mãe, sustenta nos momentos mais difíceis. “É a esperança que hoje vi nos seus olhos, que deu sentido à sua viagem e os fará continuar para diante. Que Nossa Senhora os ajude a não perderem jamais esta esperança! A Ela confio cada um de vocês e as suas famílias, e terei vocês sempre presente na minha oração. E também vocês – peço – não se esqueçam de rezar por mim”.
No final do encontro com os migrantes o Papa fez a seguinte oração:
Senhor Deus, criador do universo,
fonte de liberdade e paz,
de amor e fraternidade,
Vós criastes-nos à vossa imagem
e infundistes em todos nós o vosso sopro vital,
para nos fazer participantes do vosso ser em comunhão.
Mesmo quando quebramos a vossa aliança
Vós não nos abandonastes ao poder da morte
mas, na vossa misericórdia infinita,
sempre nos chamastes para regressar a Vós
e viver como vossos filhos.
Infundi em nós o vosso Santo Espírito
e dai-nos um coração novo,
capaz de escutar o clamor, muitas vezes silencioso,
dos nossos irmãos e irmãs que perderam
o calor do lar e da pátria.
Fazei que possamos dar-lhes esperança
com olhares e gestos de humanidade.
Fazei de nós instrumentos de paz
e de amor fraterno concreto.
Livrai-nos dos medos e preconceitos,
para assumirmos como nossos os seus sofrimentos
e lutar juntos contra a injustiça;
para que cresça um mundo onde cada pessoa
seja respeitada na sua dignidade inviolável
aquela que Vós, Pai, colocastes em nós
e o vosso Filho consagrou para sempre.
Amém.
Silvonei José – Vatican News
Foto: Vatican Media