Por Frei Almir Guimarães
Temos saudades do céu?
Teria sido bom poder retê-lo entre nós. O vazio de sua presença viria nos fazer mergulhar em terrível angústia. Tivemos nele, afinal, alguém de insubstituível. Não nos incomodava. Era, na verdade, o contrário de alguém que perturba: nosso apoio, nosso sustentáculo; ele era bom, de uma bondade tão simples que a havíamos tomado como qualquer coisa de ordinário. Karl Ranher
♦ Ressoam aos nossos ouvidos os relatos do Novo Testamento que falam da Ascensão do Senhor Jesus. Ele, o mais belo dos filhos dos homens, não podia, com efeito, permanecer definitivamente entre nós. Seu lugar, sua casa definitiva era no seio da Trindade. Não o tivemos mais entre nós daquela maneira tão singela como até então: bebendo de nossas fontes, sentando-se à mesa com puros e não tão puros, contando histórias de moedas e ovelhas perdidas, de administradores corruptos, de fermento, de sal, de luz, de gente jogada à beira das estrada… Quantas histórias ele sabia contar! Ele havia prevenido que tinha que voltar para o seu Pai e nosso Pai.
♦ Deu ao enigma de nossa vida o nome de Pai. Ele era a misericórdia de Deus e sabedoria eterna morando entre nós. Pudemos representar Deus de uma maneira diferente das abstrações filosóficas. Deus, um Pai que nos ama! Na terra finalmente vivia alguém que não precisava de palavras eruditas e complicadas para falar das coisas de Deus. Servia-se de silêncios e usava palavras curtas, colocava gestos e toques eloquentes.
♦ Ele não podia continuar entre nós naquela figura simplesmente humana. Ele havia conhecido a realidade da morte e nesse preciso momento conferiu-lhe um sentido de amor, de dom de sai para o bem de todos. Deu sua vida para que ninguém mais precisasse temer a morte. Sua morte se transformou em vida para que o seus fossem libertados de todo temor e medo. Levou para a morte o nosso corpo que ele havia adquirido de uma mulher de nossa raça. Pela sua morte corporal, nosso irmão mais velho, vencer nossa morte e nas alturas prepara um lugar para nós.
♦ Nossos olhos estão fitos nas alturas, na glória. Lá é nossa casa definitiva. Estamos, no entanto, ainda no tempo da peregrinação e das andanças. Ainda na caminhada e, misteriosamente, ele nos acompanha. Prepara um lugar para aqueles que morreram a si mesmos e renasceram para o mundo novo que começou a existir com sua encarnação, pregação, paixão, morte e ressurreição.
♦ Jesus viera do Mistério do Alto. Esse Jesus que se remexia nas palhas do presépio e que precisou se contorcer no alto da cruz foi a realização do sonho de Deus: morar na casa dos homens, na sua intimidade, viver sua vida e sempre apontar para o alto. Um alto que não é geográfico como as alturas das montanhas e dos espaços siderais. Um Alto diferente. O Alto das coisas de Deus. O Alto do Mistério. Nos espaços da Trindade penetrou nossa natureza humana. Ele subiu ao mais alto dos céus.
♦ Segundo os Atos dos Apóstolos a nuvem, a nuvem de Deus cobriu Jesus, o irmão mais velho, e os apóstolos não puderam mais vê-lo. Os anjos ou o Espírito sussurraram que não era para ficar olhando para o céu. Uma nova missão: “Homens da Galileia, por que ficais ai olhando parados para o céu”. Começava, naquele momento, para valer a missão dos anunciadores da Boa Nova. Ir pelo mundo anunciar sua vitória, seu evangelho, sua força. E não podemos descansar. Anunciar que ele vive e que um pedaço de nós, a carne humana de Jesus de Nazaré, está na esfera da glória. Lá é nosso lugar e nossa casa.
Para a oração e meditação
AO ENTRAR NA GLÓRIA
Bela página cheia de poesia de Santo Epifânio, bispo:
A maior das festas é aquela diante da qual todo discurso nada mais é do que um simples balbucio. Na verdade, hoje, na festa da ascensão, jorra uma torrente de delícias e tudo se enche de alegria. Hoje, o Cristo, abre a porta do céu refulgente de luz. Vinde e contemplai esse cocheiro que, de modo maravilhoso, atravessa os espaços celestes. Ninguém, nem mesmo Elias, mais subiu ao céu, mas somente aquele que de lá desceu, o Filho Unigênito de Deus. Ele mesmo o afirma claramente: Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu. Na verdade, esse bom Pastor, que havia deixado nas montanhas celestes as noventa e nove ovelhas. Isto é, os anjos, para procurar a ovelha que se havia perdido, tendo-a encontrado, colocou-a misericordiosamente sobre os ombros e a reconduziu ao aprisco celeste. Ofereceu-a então ao Pai do céu, dizendo: “Pai, encontrei a ovelha perdida que a serpente havia induzido ao erro. Tendo-a visto coberta de lama de uma vida de pecado, estendendo a minha mão divina, imediatamente a levantei e, impelido por uma profunda compaixão, lavei-a no rio Jordão, perfumando-a depois com a unção do Espírito Santo. Agora, ressuscitado venho à tua presença para oferecer à tua divindade este dom digno de ti: a ovelha reencontrada”.
Lecionário Monástico III, p.547
Fonte: Franciscanos
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.