Os antigos textos litúrgicos da Igreja costumavam chamar a Quaresma de sacramento. Falava-se “venerável sacramento”. É uma intuição belíssima de uma rica realidade!
Sacramental é toda a vida litúrgica da Igreja, porque nas palavras, ritos, gestos e símbolos é verdadeiramente anunciada e realmente dada ao Povo de Deus a graça da salvação trazida por Cristo nosso Senhor.
Tomemos a Quaresma.
Ela faz memória em Cristo dos quarenta dias do Dilúvio,
dos quarenta anos de travessia do Povo de Israel no deserto,
dos quarenta dias passados por Moisés sobre o Monte Sinai,
dos quarenta dias nos quais Golias flagelou Israel com insultos,
dos quarenta dias que Elias Profeta caminhou até o Horeb fortalecido pelo pão que o Senhor Deus lhe enviou,
dos quarenta dias em que Jonas exortou Nínive à conversão
e, finalmente, levando tudo isto à plenitude e em Si cumprindo todas estas realidades, dos quarenta dias nos quais o Senhor Jesus Cristo, no deserto enfrentou Satanás, o Maligno, e o venceu, antes de iniciar publicamente a Sua pregação do Reino de Deus.
Em Cristo, todas estas provações, todos estes combates, todos estes acontecimentos salvíficos chegaram à plenitudes e se cumpriram, isto é, alcançaram a sua finalidade: revelar e já em figuras, tornar presente a ação salvadora do Pai pelo Filho no Santo Espírito.
A Quaresma, tempo de oração, penitência e combate espiritual, torna continuamente presente na Igreja, ano após ano, esta dinâmica salvífica de luta e vitória em Cristo nosso Senhor.
Este tempo é realmente um sacramento, pois pela proclamação da Palavra do Senhor, pelos gestos e práticas penitenciais, pelos ritos da sagrada Liturgia, tudo centrado na Eucaristia e na Penitência, torna-se real e eficazmente presente na vida do Povo santo de Deus os gestos e ações salvíficas do Senhor nosso Cristo Jesus. A Palavra proclamada ricamente neste tempo e meditada nos corações fiéis, iluminam o sentido da salvação trazida pelo Cristo e as ações sacramentais próprias deste tempo concedem realmente a salvação anunciada como convite à conversão, proclamação da misericórdia invencível de Deus, reconhecimento do pecado, exortação ao combate espiritual e à vitória sobre os vícios, a prática da caridade fraterna e da disciplina como fortalecimento em Cristo do corpo e da alma, preparando os cristãos para celebrarem na vida e no momento da morte a Páscoa do Senhor, certos de que “se com Ele morremos, com Ele viveremos. Se com Ele sofremos, com Ele reinaremos” (2Tm 2,11s).
Neste sagrado Tempo, o Cristo, Esposo e Senhor fidelíssimo de Sua Igreja, convida-a novamente ao amor e à conversão a Si e, por outro lado, a Igreja recebe a graça de renovar sua adesão amorosa ao Esposo, consumando na carne da sua vida, dia após dia, o grande mistério do Sacramento Pascal.
Cada filho da Igreja, membro do Corpo de Cristo, deve entrar neste mistério, abraçando o espírito e as práticas deste Tempo sagrado para celebrar na verdade os dias do Tríduo Pascal, que no unem sacramentalmente ao Senhor no Seu mistério de Paixão, Morte e Ressurreição, até que Ele, pleno do Espírito e desse Espírito nos plenificando, nos introduza no Reino eterno que Ele mesmo inaugurou com o Espírito Santo da parte do Pai.
Fonte: Dom Henrique Soares da Costa – ex-bispo de Palmares/PE, falecido em 2020, vítima da covid-19