Por Frei Fidêncio Vanboemmel
A morte, para São Francisco de Assis, é uma realidade natural pois faz parte da própria vida. Tanto assim que ele, ao sentir a proximidade da morte, compôs a última estrofe do Cântico das Criaturas, na qual ele reza: “Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã, a morte corporal da qual humano algum pode escapar. Ai dos que morrerem e pecado mortal! Felizes os que ela achar conformes a tua santíssima vontade, porque a morte segunda não lhes fará mal”.
Francisco, ao longo da sua vida, particularmente na sua pregação penitencial, alertava as pessoas a estarem preparadas para a realidade da morte. Por exemplo:
1º) Na Carta que escreveu aos Governadores dos Povos, admoesta: “Considerai e vede que se aproxima o dia da morte…” Neste mundo ou nesta vida, ninguém é eterno, e dele nada levaremos.
2º) Na Regra não Bulada, Francisco adverte: “Convertei-vos, fazei dignos frutos de penitência, pois sabei que em breve morrereis…” Diante da eternidade do tempo, o tempo da nossa vida terrena é muito breve.
Quando morremos, o que realmente fica para nós, o que ainda será pertença nossa? Francisco nos adverte que nossos são apenas “os vícios e pecados”. Daí a advertência que ele faz no Cântico das Criaturas: “Ai dos que morrem em pecado mortal”. Logo, se a morte é uma realidade natural da vida, devemos estar preparados para acolher a morte como irmã da vida. Assim o problema não está na morte em si, mas morrer em pecado mortal. Assim, morrer em pecado nos leva à segunda morte, isto é, à morte eterna, a eterna ausência do amor de Deus.
Ao passo que as pessoas que vivem uma vida com dignidade, os que se santificaram seguindo a Cristo pelo caminho das Bem-aventuranças, na morte levarão consigo os frutos da penitência para oferecê-los a Deus, e Dele receber a recompensa: “vinde, benditos de meu Pai”.
Enfim, a morte para Francisco é uma realidade inevitável. Por isso devemos estar sempre prontos, vigilantes, preparados para a hora da nossa morte, por mais difícil que seja.
A partir da Experiência de Francisco, como os cristãos podem ressignificar a morte?
Aspectos que considero importantes para nós, cristãos:
Em 1º lugar destaco a compreensão que devemos ter da nossa vida. De Francisco aprendemos que nada possuímos de próprio, nem sequer a vida, pois ela é um dom de Deus. Se a vida é uma dádiva, é a Deus que a devolvemos com tudo o que de belo construímos através deste corpo (não morrer em pecado).
Em 2º lugar destaco a importância do espírito da pobreza, da não apropriação. “Nada retenhais para vós mesmos, para que totalmente vos receba, quem totalmente se vos dá” (CtOr). Francisco, ao longo da vida, foi se despojando de tudo. Nada acumulou para si. E quando chegou a hora da morte, quis morrer nu sobre a terra nua: “Lembra-te, ó homem, que és pó, e em pó hás de voltar”.
Em 3º lugar aprendemos do Evangelho que, através da morte, nos unimos ao mistério pascal de Jesus. Por isso esta “Irmã Morte” é bem-vinda. Francisco mesmo, ao refletir sobre o mistério da morte-ressureição de Cristo, afirma: “deitei-me para dormir, e acordei-me novamente, e o meu santíssimo Pai me recebeu na glória”.
Em 4º lugar diria que o drama e medo da morte não é apenas a separação física de quem amamos, ou uma separação física deste mundo. O que realmente é dramático é o risco de separar-me definitivamente de Deus. Em vida tive tantas oportunidades para fazer o bem, praticar obras de misericórdia, etc. E nada disso eu fiz.
Em 5º lugar, ao chamar a morte de “Irmã”, ele entende a morte como um processo natural da vida, com todas as finitudes que ela possui (doenças, enfermidades, idade). Francisco de Assis, como arauto da Paz, jamais diria “bem-vinda irmã morte” quando ela é consequência do pecado humano. Antes, Francisco de Assis gritaria ao mundo de hoje:
Maldita a morte causada por toda a violência armada; maldita a morte causada pela fome em consequência da não partilha; maldita a morte provocada pela privação dos direitos sociais, causada pelo enriquecimento ilícito dos que legislam em causa própria; maldita a morte causada pela disseminação da segregação racial, ideológica e religiosa,
Enfim, maldita a morte que destrói a vida das nossas florestas; maldita a morte, fruto dos produtos tóxicos despejados sobre o alimento; maldita a morte dos nossos rios, resultado da ganância das mineradoras; maldita a morte das nossas praias nordestinas, causada pela omissão dos primeiros responsáveis e pela ganância da indústria petrolífera.
“A vida pra quem acredita, não é passageira ilusão. E a morte se torna bendita, quando é nossa ressurreição”.
Fonte: Franciscanos