O profeta do reino de Deus

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Pe. Johan Konings

 

Jesus é o profeta do Reino de Deus. Mas que é um profeta? Conforme a 1ª leitura, o profeta é mediador e porta-voz de Deus. Os antigos israelitas, vivendo ao lado dos cananeus, estavam tentados a consultar, como estes, as divindades dos “lugares altos” por aí (que supostamente conheciam bem as necessidades locais). Consultavam os sortilégios, os búzios, os necromantes que evocavam espíritos etc. Não eram muito diferentes de muitos dos nossos contemporâneos.

Diante disso, Moisés lhes lembra que, quando da manifestação de Deus no monte Sinai (Ex 19), eles tiveram tanto medo que Deus precisou estabelecer um intermediário para falar com eles: o primeiro profeta bíblico, ele mesmo. Em vista disso, sempre haveria profetas em Israel para serem mediadores e porta-vozes de Deus, de modo que os israelitas não precisariam mais consultar os deuses de Canaã, nos santuários locais. O profeta é aquele que fala com a autoridade de Deus, que o envia. Muitas vezes, sua palavra é corroborada por Deus por meio de milagres, “sinais”.

No evangelho, Jesus é apresentado como porta-voz de Deus e de seu Reino. Deus mostra que está com ele. Dá-lhe poder de fazer sinais: na sinagoga de Cafarnaum, Jesus expulsa um demônio, e o povo reconhece sua autoridade profética: “Um ensinamento novo, dado com autoridade…” (Mc 1,27). Ora, os sinais milagrosos servem para mostrar a autoridade do profeta, mas não são propriamente sua missão. Servem para mostrar que Deus está com ele, mas sua tarefa não é fazer coisas espantosas. Sua tarefa é ser porta-voz de Deus. Jesus não veio para fazer milagres, e sim, para nos dizer e mostrar que Deus nos ama e espera que participemos ativamente de seu projeto de amor. Por outro lado, os sinais, embora não sejam sua tarefa propriamente, não deixam de revelar um pouco em que consiste o reino que Jesus anuncia. São sinais da bondade de Deus.

Jesus nunca faz sinais danosos para as pessoas (como as pragas do Egito que aconteceram pela mão de Moisés). O primeiro sinal de Jesus, em Mc, é uma expulsão de demônio. A obsessão demoníaco simboliza o mal que toma conta do ser humano sem que este o queira. Libertando o endemoninhado do seu mal, Jesus demonstra que o Reino por ele anunciado não é apenas apelo livre à conversão de cada um, mas luta vitoriosa contra o mal que se apresenta maior que a gente.

O mal que é maior que a gente existe também hoje: a crescente desigualdade social, a má distribuição da terra e de seus produtos, a lenta asfixia do ambiente natural por conta das indústrias e da poluição, a vida insalubre dos que têm de menos e dos que têm demais, a corrupção, o terror, o tráfico de drogas, o crime organizado, o esvaziamento moral e espiritual pelo mau uso dos meios de comunicação… Esses demônios parecem dominar muita gente e fazem muitas vítimas. O sinal profético de Jesus significa a libertação desse mal do mundo, que transcende nossas parcas forças. E sua palavra, proferida com a autoridade de Deus mesmo, nos ensina a realizar essa libertação.

Como Jesus, a Igreja é chamada a apresentar ao mundo a Palavra de Deus e o anúncio de seu Reino. Como confirmação dessa mensagem, deve também demonstrar, em sinais e obras, que o poder de Deus supera o mal: no empenho pela justiça e no alívio do sofrimento, no saneamento da sociedade e na cura do meio ambiente adoentado. Palavra e sinal, eis a missão profética da Igreja hoje.

Fonte: Franciscanos


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

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